Casos de microcefalia crescem mais de 50% em um ano na Bahia

Pandemia da covid-19 pode ter tido impacto no aumento de casos

Antes de a pandemia de covid-19 chegar ao Brasil, em fevereiro de 2020, responsáveis por crianças com microcefalia estavam esperançosos: parecia que as políticas públicas avançavam, junto à possibilidade de uma vacina para gestantes.

O começo de um surto mundial, no entanto, mudou essa rota. Desde então, os casos de microcefalia registraram um pico. Em 2021, 130 baianos nasceram com essa condição, 56% a mais que no ano anterior quando foram registrados 83 casos. Este ano, o número já chegou a 29 no estado, dos quais, 23 foram registrados em Salvador, segundo dados extraídos na primeira semana do mês da plataforma DataSus.

A maioria das notificações ocorridas na Bahia, em 2021, também foram na capital: 97. O número é 67% maior que o registrado na cidade em 2020, quando 58 soteropolitanos foram diagnosticados com microcefalia.

As respostas para esse aumento ainda estão em aberto, mas neurologistas e mães – é sobre elas que recai, na maioria das vezes, o cuidado dos filhos – apontam que o desvio de foco que a pandemia naturalmente provocou pode ter sido crucial para o aumento de casos.

Quanto ao possível impacto direto do vírus Sars-cov-2, que causa a covid-19, nos fetos, não há indícios. Estudos preliminares apontaram, até agora, inexistência da relação, embora o sistema nervoso adulto seja afetado pela doença.

A microcefalia pode ser diagnosticada ainda na gravidez, geralmente em casos de mães que tiveram alguma infecção nos três primeiros meses de gestação ou abusaram de álcool e outras drogas. Um bom pré-natal e o acesso a saneamento básico podem ser cruciais para evitar os riscos.

O primeiro porque mune a gestante de informações e também de atendimento médico em caso de emergência clínica. O segundo porque freia o avanço do agente causador do zika vírus, um dos causadores da má-formação.

A hipótese de um efeito indireto da pandemia para o aumento de casos de microcefalia ainda pode ser justificada pelo fato de que, neste ano, os casos voltaram a cair.

“O próprio fato de as pessoas terem voltado a circular mais, pode ter arrefecido a proteção ao foco do aedes aegypti [mosquito causador do zika]. Fora as questões de políticas de saúde mesmo. A cobertura vacinal caiu, as pessoas deixaram de procurar os postos, a gestante acabou não fazendo pré-natal direito”, opina a neuropediatra Emanuelle Vasconcelos, professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

A microcefalia é diagnosticada em bebês cujo crânio é menor do que o esperado – abaixo dos 32 centímetros. O esperado é que bebês, ao nascerem, tenham ao menos 34 cm de perímetro da cabeça.

No caso dos prematuros, essa medida varia. O maior pico de casos de microcefalia aconteceu, no Brasil, em novembro de 2015, quando o Ministério da Saúde confirmou a relação do vírus zika com o atraso do desenvolvimento cerebral dos bebês.

O resultado foi obtido pelo Instituto Evandro Chagas, da Fiocruz, que descobriu a presença do zika em amostras de sangue e tecidos de bebês cearenses com microcefalia e outras malformações congênitas. Antes, o maior agente causador de microcefalia era a sífilis congênita.

“Fora isso, na pandemia, tivemos uma baixa cobertura de tratamento de sífilis na gestação. E andou faltando o medicamento Bezotacil à rede pública para fazer o tratamento [no ano anterior, houve o mesmo problema]”, continua a neuropediatra Emanuelle.

Negacionismo na microcefalia
Até a equipe do Instituto, coordenada pela pesquisadora Cecília Turchi, confirmar a relação entre zika vírus e microcefalia, o cenário também deu espaço para negacionismo – como aconteceu ao longo da pandemia de covid. Especulava-se que era vacina vencida o mal das grávidas ou talvez alguma especificidade do Nordeste, já que os registros de microcefalia estavam concentrados nessa região brasileira. Tudo desinformação com pitadas de crendice popular.

Foi nessa época que Flaviana Oliveira, 28 anos, então uma jovem de 21, descobriu a gravidez, não planejada, da primeira filha. Era início de 2015 e a pesquisa da Fiocruz estava por concluir. O Brasil vivia a maior epidemia de zika, transmitida pelo aedes aegypti, que ainda pode causar doenças como dengue, febre amarela e chikungunya.

Flaviana e a filha, Jhulia (Foto: Acervo Pessoal)

Aos 3 meses de gestação, Flaviana foi diagnosticada com chikungunya e zika. Nesse período gestacional, o cérebro do feto ainda está em formação, por isso é considerado um período crítico e de risco para problemas como a microcefalia.

Não sabia que a infecção passava para o feto. Aos seis meses, o médico levantou a suspeita. Mas ele não era especialista. Quando fiz novos exames, tive a comprovação que minha filha nasceria com microcefalia”, lembra Flaviana. A notícia provocou um choque.

A bebê, Jhulia, nasceu no dia 31 de dezembro de 2015. O perímetro cefálico (outro nome para o perímetro do crânio) era de 27 centímetros, 16 a menos que o tamanho da neném, que ficou 11 dias internada. “Só aí o diagnóstico de microcefalia causado por zika vírus foi fechado, com encaminhamento para fisioterapia, terapias, fonoaudiologia, oftaumologista”, conta Flaviana.

A microcefalia pode ser de baixa intensidade, quando compromete funções motoras como a coordenação e a fala, por exemplo, ou grave, quando a criança sequer consegue manter a coluna ereta.

Tratamento está disperso na rede pública
A microcefalia causa, a depender da gravidade, atrasos neurológicos, psíquicos, motores, problemas visuais ou auditivos e epilepsias. Como provoca múltiplos problemas, demanda, também, variedade de tratamento.

Hoje, existe apenas um núcleo de acompanhamento específico para pessoas com microcefalia: o Centro Dia de Referência para Pessoas com Deficiência (Centro Dia), vinculado à Prefeitura de Salvador, localizado no Parque Bela Vista.

A equipe do Centro Dia é multidisciplinar, com profissionais como assistente social, psicólogo e terapeuta ocupacional (veja mais abaixo como ter acesso ao atendimento). O restante do atendimento, sobretudo o médico, está disperso pelas unidades de saúde.

Flaviana, a mãe de Jhulia, alterna entre médicos privados e a rede pública. Para garantir qualidade de vida à filha, já apelou para vaquinhas virtuais (veja abaixo como ajudar Jhulia). A criança passa os finais de semana com o pai, de quem Flaviana é separada.

“Cadeira de rodas, comprei pela campanha. Fiz rifa para cama adaptada. Hoje, ela vai para a escola, tem vida social, passa final de semana com o pai, tudo normal”, conta.

Os grupos de apoio são como portos seguros para mães, pais e familiares. Na falta de informação e acolhimento, eles se ajudam uns aos outros. Em abril de 2016, o grupo Abraço a Microcefalia, voltado para mães de filhos com microcefalia, fez o primeiro encontro presencial.

“Nessa época, os prognósticos dos médicos eram os piores possíveis; alguns falavam que as crianças sobreviveriam até um ano. Os grupos vieram para fortalecer as pessoas, geralmente as mulheres, que cuidam”, afirma Joana Damásio, presidente do grupo e mãe de Gabriela, que nasceu com microcefalia no final de 2015, depois dela ter zika.

O Abraço tem 330 famílias cadastradas, número que permaneceu estável na pandemia, pois o atendimento da associação foi interrompido. “Muitas famílias sem condições econômicas e dificuldades para acessar o serviço público. Então, unimos forças, e vemos que podemos ir adiante”, completa Joana.

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