Contra instalação de usina atômica no São Francisco
Heitor Scalambrini Costa
Nas últimas semanas, revelações surpreendentes sobre continuação da tragédia no complexo de Fukushima Daiichi, no Japão, ocuparam novamente os meios de comunicação de todo o mundo. Enormes quantidades de trítio, césio e estrôncio estão sendo despejados, e envenenando o Oceano Pacifico. Menciona-se a fabulosa quantidade de 300 toneladas de água radioativa por dia despejada.
O governo japonês durante muito tempo confiou na empresa operadora do complexo, Tokyo Electric Power, também conhecida como Tepco. Esta, por sua vez, omitiu a existência deste vazamento de água altamente radioativa para o oceano. Este é um pesadelo que não tem fim. O dano que está sendo feito é absolutamente incalculável.
A cultura do segredo e a falta de transparência cercam as questões relativas ao nuclear, e o que acontece no Japão, acontece também em outras partes do mundo, inclusive no Brasil.
O que era denunciado, mas até então sem provas cabais, de que o governo ditatorial do Brasil tinha interesse em fazer sua bomba atômica, veio à tona agora com a abertura de arquivos “secretos” do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Em reportagem recente no Jornal “O Estado de São Paulo”, o jornalista Marcelo de Moraes relata que em 10 de junho de 1974 o general Geisel expôs em uma reunião do Alto Comando Militar a preocupação do governo e dos militares em relação ao fato de a Índia ter detonado uma bomba atômica, e à possibilidade de os vizinhos argentinos, também testassem um artefato nuclear. Defendeu então, a construção da bomba atômica brasileira.
Em 1979 teve inicio o Programa Nuclear Paralelo, encabeçado pelo governo militar. A existência do Projeto Paralelo, nunca admitido publicamente, e cujas pesquisas na direção da fabricação da Bomba iam de vento em popa, permaneceu secreto. Até que uma reportagem, em 1986, do jornal “Folha de São Paulo”, revelou a existência de covas e cisternas e poços profundos na Serra do Cachimbo, no Pará; e no Raso da Catarina, no semi-árido baiano. Tudo indicava que seriam para testes com artefatos nucleares.
O Ministério Público e o Congresso Nacional ao investigarem o caso descobriram contas bancárias secretas, que dentro do Projeto Paralelo eram chamadas de Delta. Isto poria um fim na ambição do governo militar de fabricar a Bomba, apesar de que, no ano seguinte, o Brasil dominou por completo o ciclo do enriquecimento de urânio. Em 1988 caiu a ditadura, e foi promulgada a atual Constituição, que proíbe o uso da energia nuclear para fins bélicos. Com tudo isso, o programa brasileiro passou a ser “legítimo” e controlado pela estatal Eletronuclear.
Em 1990 outras revelações surgiram sobre o Projeto Paralelo. O fato é que hoje no Brasil ainda alguns sonham com a fabricação da bomba tupiniquim, como atestam posições públicas de políticos, acadêmicos, ex-ministros de Estado e militares de alta patente.
A retomada do Programa Nuclear Brasileiro, em junho de 2007 foi outro exemplo de como atua na surdina, na “calada da noite” o lobby nuclear. Sem nenhuma discussão com a população brasileira foi reativado este Programa pelo Conselho Nacional de Política Energética, grupo de 10 pessoas que assessoram a presidência da Republica. Posteriormente em seu Plano Nacional de Energia (PNE 2030), o Ministério de Minas de energia anunciou a construção de mais quatro usinas nucleares no país, além da construção de Angra 3.
Para espanto de todos, duas destas novas usinas seriam construídas no Nordeste brasileiro. Como não bastasse a tragédia do sertanejo frente à omissão governamental com relação ao fenômeno das secas, imaginem agora que na beira do Rio São Francisco será instalado uma usina nuclear. Um verdadeiro ato de insanidade do poder público, que fecha os olhos aos riscos de uma calamidade possível, como a que esta passando o povo japonês.
E este descalabro agora é promovido pelo Clube de Engenharia de Pernambuco, que em um Seminário conjunto com a Eletronuclear, enalteceu o desenvolvimento e as vantagens que a construção de uma usina nuclear trará para o semiárido de Pernambuco. O povo pernambucano merece uma explicação.
Heitor Scalambrini é professor de energia da UFPE.