CPI do Assassinato de Jovens realiza primeira audiência e ouve especialistas

Estudos apontam escalada da violência no Nordeste 

A CPI que investiga os assassinatos de jovens no Brasil realizou, na noite desta segunda-feira (18), a primeira audiência pública com especialistas em segurança pública e direitos humanos. O encontro, no Senado Federal, contou com a presença do professor Ignacio Cano, fundador do Laboratório de Análise de Violência, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Marcelo Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e Michel Misse, integrante do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

Para a presidente da CPI, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), o trabalho da comissão mostra ao Brasil que a realidade da violência entre os jovens “infelizmente existe”. A senadora lamentou que, apesar de serem “tão assustadores”, os dados da violência sejam “ignorados e invisíveis para a população”. Segundo a senadora, a comissão poderá, ao fim dos trabalhos, propor políticas públicas que possam reverter ou diminuir a violência contra a juventude e apresentar propostas legislativas que valorizem a juventude.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), vice-presidente da CPI, lamentou que a juventude brasileira esteja morrendo pela milícia, pelo tráfico e pela polícia. Ele também apontou que há uma diferença de tratamento da polícia entre os lugares mais humildes e as regiões mais ricas das cidades. O senador ainda voltou a defender uma reforma na polícia. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) afirmou que a CPI é importante como um instrumento para contribuir com uma reflexão sobre o tema, apontando o caminho mais adequado para o combate à violência entre os jovens.

A pesquisa apresentada por Cano usou dados do Ministério da Saúde, do DataSus e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados no período entre os anos de 2000 e 2012. Segundo Ignácio Cano, 30% dos jovens morreram vítimas de homicídio no ano 2000. O número subiu para 36,5% no ano de 2012. Na população em geral, o índice ficou estável, perto dos 5%, ao longo do mesmo período.

— É um tema de extrema gravidade, que o Brasil tende a esquecer — lamentou Cano.

Segundo o professor, as projeções apontam que, a cada mil jovens, 3,3 perderão a vida por homicídio antes de completarem a adolescência. De acordo com Cano, a pesquisa registrou que uma mudança ocorreu ao longo dos anos no topo do ranking das regiões mais violentas do país, que mudou das grandes cidades do Sudeste para a região Nordeste. Ele informou que os registros de homicídio entre os jovens são maiores no Nordeste e menores na região Sul. Alagoas tem mais que o dobro da média nacional. Fortaleza, Maceió e Salvador são as cidades mais violentas para a juventude.

Jovens negros

A pesquisa do Unicef, acrescentou o professor Cano, também mostra que os meninos têm risco de serem assassinados 12 vezes maior que as meninas. O risco de meninos morrerem por arma de fogo é mais de quatro vezes maior do que o de meninas morrerem por todos os motivos. A questão racial também tem peso na pesquisa. Jovens negros têm três vezes mais chances de morrerem por homicídios que os jovens brancos.

Na opinião de Ignácio Cano, os sistemas educacionais de qualidade e os programas de transferência de renda podem colaborar com a proteção dos jovens diante da violência. Ele também pediu um controle mais rígido de armas – já que “mais de 80% dos assassinatos são com arma de fogo” –, um maior fortalecimento de políticas sociais, o incremento do combate à impunidade e a ampliação de planos de prevenção e programas de proteção a crianças e adolescentes.

O professor Marcelo Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), registrou que o jovem é, ao mesmo tempo, a principal vítima e o principal ator da violência, e isso é “uma tendência mundial”. Nery apresentou pesquisas que apontam que pessoas negras e de baixa renda são as principais vítimas da violência. Segundo o professor, o risco de negros brasileiros serem atingidos pela violência é de 70 por 100 mil habitantes. Entre os brancos, o número cai para 27 por 100 mil habitantes.

Polícia

O pesquisador Nery também pediu um foco mais regionalizado no combate à violência, já que as razões dos crimes podem mudar conforme a região e o período pesquisado. Segundo Nery, o país precisa criar uma tradição de inteligência de combate ao crime, envolver a sociedade civil e formar profissionais qualificados e em quantidade suficiente para aplicar políticas públicas, como forma de combater a violência. Ele ainda apontou que o jovem negro carrega estigmas e enfrenta preconceitos, por ser vítima de condições sociais mais desfavoráveis.

— Os suspeitos têm um perfil para o policial. Eles estão em certo lugar, têm certa cor e certa classe social. Isso tem que ser quebrado — pediu.

Integrante do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Michel Misse lamentou a falta de dados sobre a autoria dos crimes no Brasil. Ele pediu para CPI buscar a vinculação da questão do assassinato de jovens à falta de dados sobre a autoria de crimes. Como forma de combater a violência entre os jovens, Misse sugeriu a desmilitarização da polícia, a valorização da carreira policial e a integração de sistemas de combate à violência.

 

Com informações da Agência Senado

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