Instituto Cervantes celebra tradição mexicana do Dia dos Mortos

Nessas culturas milenares, a morte era vivenciada com naturalidade

Altar em homenagem à soteropolitana e a outras duas cantoras, a costarriquenha/mexicana Chavela Vargas e a espanhola Maria Dolores Pradera
Altar em homenagem à soteropolitana e a outras duas cantoras, a costarriquenha/mexicana Chavela Vargas e a espanhola Maria Dolores Pradera – 
No próximo dia 9 completam-se dois anos da morte de Gal Costa, um acontecimento que para alguns fãs ainda é difícil de digerir. Não se pode ressuscitá-la, como ela mesmo exortou em 1981, com sua voz docemente bárbara, na canção O Amor, composição de Caetano Veloso e Ney Costa Santos, a partir de um poema revolucionário homônimo de Vladimir Maiakovski. Mas de amanhã a sexta-feira, dia 1°, vai ser possível celebrar os seus 77 anos de existência à moda mexicana. Em alto astral.

Um altar em homenagem à soteropolitana e a outras duas cantoras, a costarriquenha/mexicana Chavela Vargas e a espanhola Maria Dolores Pradera, foi montado nas dependências do Instituto Cervantes, na Ladeira da Barra, como forma de festejar a vida de mulheres extraordinárias e o Dia dos Mortos, tradição mexicana com origens indígenas, como os astecas, os toltecas e os nahuas.

Nessas culturas milenares, a morte era vivenciada com naturalidade e, em vez de luto, as pessoas se reuniam para celebrar a vida dos seres amados que tinham passado pela Terra. Para isso, faziam-se altares com artigos pertencentes ao morto, porque havia a crença de que no período do Dia dos Mortos os seus espíritos retornavam, temporariamente, para conviver com seus parentes e amigos.

Antes da chegada dos espanhóis ao território que se tornaria o México, essa celebração durava o período de um mês e acontecia numa fase correspondente ao que se convencionou chamar de agosto. Com a colonização e a mistura das culturas, a festa ganhou novos elementos. Desde o final do século 18, os mexicanos usam artefatos em forma de crânios, as calaveras, onde são escritos poemas.

Este ano, temos um altar bem perto da Baía de Todos-os-Santos, que tem esse nome por ter sido avistada por uma expedição portuguesa no dia 1° de novembro de 1501.

Alegria

A ideia da festa no Cervantes com esse tema surgiu com a professora de espanhol Diana Rueda, uma colombiana que mora há 12 anos em Salvador, onde fez a graduação em Letras, pela Universidade Federal da Bahia. Durante o curso, Diana conheceu duas colegas mexicanas, que explicaram como a morte é vista na cultura asteca. “Na Colômbia, o Dia de Finados é muito parecido com o Brasil. É um dia mais triste. É limpar túmulos, colocar flores e chorar”, conta a professora, ao explicar porque ficou tão animada com a festa narrada pelas colegas da América do Norte. “Essas cores e a alegria de acreditar que os mortos tiram um dia para passar com a gente, só existe no México e em alguns países da América Central”, completa a professora colombiana.

Um dos motivos que levaram Diana a sugerir o tema da festa foi a popularização na Colômbia e no Brasil do Halloween, a tradicional festa dos Estados Unidos, em que as pessoas usam fantasias assustadoras e as crianças batem às portas dos vizinhos pedindo doces, vestidas de fantasmas ou de corpos feridos e com manchas de sangue.

Mas o que une o Halloween e o Dia dos Mortos é, principalmente, a coincidência no calendário. Enquanto o Dia dos Mortos comemora-se nos dias 1º e 2 de novembro, respectivamente o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados propriamente dito, o Halloween se celebra 31 de outubro, como véspera do Dia de Todos os Santos. A essência, todavia, é diferente.

A festa gringa tem origem em um festival pagão celta chamado Samhain, em que a população celebrava a colheita e o fim do verão, carregando tochas e vestindo trajes específicos para espantar os maus espíritos. No século 8, quando o Papa Gregório III estabeleceu o 1° de novembro como o Dia de Todos-os-Santos, essa nova celebração religiosa incorporou aspectos do Samhain. E a noite da véspera do Dia de Todos-os-Santos passou a ser chamada de All Hallows Eve (em inglês, véspera de todos os santos) e logo alterado para Halloween, como explica o site da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América.

Costumes

Diana assinala que no México há uma disputa geracional entre celebrar o Halloween ou a festa do Día de los Muertos. “É uma questão que se discute muito. Por um lado, estão os mais tradicionais que não querem que se percam os costumes dos povos pré-hispânicos e, por outro, estão os mais jovens e modernos que querem incorporar o Halloween à celebração”, aponta a professora, que nega querer fazer uma contraposição à festa estadunidense, mas sim dar a devida importância aos costumes latino-americanos: “Minha motivação, então, é a de resgatar os costumes dos povos originários e dos países que falam a língua espanhola”.

“A gente já tinha feito a festa há um tempo, mas foi um altar menor. Outros centros da rede Cervantes no Brasil comemoram o Dia dos Mortos, que é uma festa importante no mundo hispânico”, afirma Esther Blanco, coordenadora acadêmica do Cervantes em Salvador. O objetivo da retomada, segundo ela, é contribuir para aumentar a visibilidade dessa celebração na cidade. “No México, os altares são feitos em várias casas. É um produto cultural e estético cheio de significados. Um evento muito bonito”, afirma Esther.

Sobre a escolha das homenageadas no altar, a coordenadora acadêmica do Cervantes destacou a intenção de fazer algo institucional e não familiar, por isso a decisão de celebrar pessoas famosas. “A gente queria uma pessoa daqui e pensou em escolher uma figura feminina e logo surgiu Gal Costa, que morreu há pouco tempo”.

Sobre as outras homenageadas, Chavela Vargas é uma cantora nascida na Costa Rica em 1919 e que migrou para o México aos 15 anos, tendo se tornado um ícone desse país. Depois de décadas de muito sucesso, a cantora entrou em decadência por causa do alcoolismo, mas ressurgiu na década de 1990 ao participar de trilhas sonoras de filmes de Pedro Almodóvar, como Kika (1993). Chavela morreu em 2012.

Maria Dolores Pradera é uma cantora e atriz espanhola que atuou em 18 filmes e mergulhou no cancioneiro popular de países da América Latina, como Argentina, Peru. Venezuela e México. A atriz e cantora morreu em 2018.

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