Janeiro roxo: casos de hanseníase na Bahia passam de 1,5 mil em 2022

Maysa Polcri*
Laila de Laguiche, hansenologista: `O preconceito ainda é muito forte ´ Laila de Laguiche, hansenologista: `O preconceito ainda é muito forte ´ (Divulgação)

Salvador registrou 154 casos da doença, segundo dados preliminares

A cura da hanseníase, disponibilizada em forma de medicamentos gratuitos nas redes públicas de saúde, não foi suficiente para erradicar a doença no país. Somente no ano passado, foram registrados 1.537 casos na Bahia, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab). Entre 2019 e 2022, foram 6.608. Para combater o preconceito e aumentar a conscientização sobre o diagnóstico precoce, o Dia Mundial de Combate à Hanseníase é celebrado no último domingo (29) do Janeiro Roxo.

Uma mancha percebida abaixo de um dos seios foi o alerta inicial para que Patrícia* começasse a traçar o caminho do diagnóstico da hanseníase. O ano era 2015 e a mulher percebeu que enquanto a mancha crescia e descamava, ela sentia dores nas articulações e nos músculos. Depois de passar por atendimento médico, descobriu que tinha desenvolvido a doença, que no passado ficou conhecida como lepra.

Além das marcações que tornam a pele sem sensibilidade, sensação de formigamento em mãos e pé, caroços no corpo e diminuição da força muscular são sintomas comuns. A bactéria chamada Mycobacterium leprae é a repsonsável pela hanseníase, mas apenas 5% das pessoas que entram em contato com o microorganismo desenvolvem a doença no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde.

Leia mais: Seis casos de hanseníase são registrados por dia na Bahia

“Cerca de 90% das pessoas são imunes, mas parece haver alguma predisposição geneticamente herdada em pessoas que evoluem com a doença”, explica o médico dermatologista Gleison Duarte. Na Bahia, o número de pessoas com a doença permanece estável, com uma pequena redução entre 2019 e os anos seguintes, o que pode ser resultado de uma subnotificação durante a pandemia.

O paciente com hanseníase pode desenvolver sequelas graves se o diagnóstico for tardio. Daí a importância de conhecer os sintomas iniciais da doença e se manter atento, como fez Patrícia. Entre os desdobramentos mais graves estão a incapacidade física, deformidades em mãos e pés e cegueira.

O Boletim Epidemiológico sobre a Hanseníase da Secretaria de Vigilância da  Saúde do Ministério da Saúde, publicado neste mês, aponta que a Bahia foi o quarto estado com o maior número de casos novos da doença entre 2010 e 2021, aparecendo atrás de Maranhão, Mato Grosso e Pernambuco.

Transmissão e tratamento

A transmissão da hanseníase se dá através do aparelho respiratório de pessoas contaminadas. Mas a dermatologista e hansenologista Laila de Laguiche, idealizadora do Instituto Aliança contra a Hanseníase, explica que a transmissão não é simples.

“É difícil contrair hanseníase porque é preciso ter exposição prolongada de pelo menos 20 horas semanais e um perfil genético correspondente”, esclarece.

Quem é diagnosticado com a doença tem direito ao tratamento gratuito, realizado com o uso de três antibióticos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de duas semanas, quando medicado pela primeira vez, o paciente deixa de transmitir a doença. Especialistas, no entanto, alertam que é essencial a continuidade no tratamento para que a doença seja erradicada no organismo.

Em Salvador, 236 pacientes estão com tratamento em andamento na rede municipal. De todas as pessoas que iniciam o procedimento, 85,6% concluem, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). A rede oferta nove tipos diferentes de medicamentos para o combate da hanseníase na capital.

“Ao perceber sinais de lesões de pele, o paciente deve procurar imediatamente um dermatologista ou infectologista para que possa ser examinado. Em caso de hanseníase, o tratamento pode ser feito por períodos que variam entre seis meses e dois anos”, explica o médico diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia Antônio Bandeira.

Apesar de a maioria esmagadora da população não ter predisposições para a hanseníase, o Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos, atrás apenas da Índia, como indica o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2019.

Capital em alerta

Dos 6,6 mil casos registrados na Bahia nos últimos quatro anos, 759 foram em Salvador – o que representa 11% de todos os diagnósticos. Os bairros campeões no número de registros são Subúrbio Ferroviário (132), Itapuã (153) e São Caetano/Valéria (106). Do outro lado, Boca do Rio e Centro Histórico são as localidades com menos casos, com 20 e 15 respectivamente.

A hansenologista Laila de Laguiche analisa que casos da doença ocorrem com mais frequência em locais onde o acesso à saúde é dificultado. “É uma doença diretamente ligada à falta de acessibilidade à saúde porque o diagnóstico é mais tardio nesses locais”, diz. Além disso, dividir cômodos com outras pessoas e ambientes pouco ventilados favorece a transmissão da doença.

Preconceito contribui para a subnotificação, diz especialista

Do total de casos registrados na Bahia em quatro anos, 273 foram em crianças menores de 15 anos – o que representa 4% dos 6,6 mil. Para os especialistas ouvidos pela reportagem, o dado revela uma subnotificação de casos de pessoas que não trataram a doença corretamente e transmitiram para os mais novos.

A falta de informações corretas sobre a doença, agregada a profissionais de saúde despreparados e preconceito de parte da sociedade, corroboram para que os casos não sejam diagnosticados no início, analisa Laila Laguiche.

“O preconceito ainda é muito forte no Brasil e no mundo. Existe uma dificuldade em encarar a doença como sendo outra qualquer. Médicos, por exemplo, acham que pode ser hanseníase em alguns casos, mas não fazem o diagnóstico por preconceito”, revela.

Para evitar a subnotificação e agravamento de casos, o infectologista Antônio Bandeira defende a implantação de políticas públicas: “Os dados reforçam a necessidade de um programa de diagnóstico, que é fundamental que aconteça o mais rápido possível”.

Apesar da atenção especial dada a informações sobre a doença durante a campanha do Janeiro Roxo, Salvador possui o Programa Municipal de Controle de Hanseníase. A ação conta com equipes multidisciplinares e funciona de forma permanente em 121 postos de saúde espalhados pela capital, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.

Sintomas da hanseníase

  • Manchas (brancas, avermelhadas, acastanhadas ou amarronzadas) e/ou área (s) da pele com alteração da sensibilidade térmica (ao calor e frio) e/ou dolorosa (à dor) e/ou tátil (ao tato)
  • Comprometimento do(s) nervo(s) periférico(s) – geralmente espessamento (engrossamento) –, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas
  • Áreas com diminuição dos pelos e do suor
  • Sensação de formigamento e/ou fisgadas, principalmente em mãos e pés
  • Diminuição ou ausência da sensibilidade e/ou da força muscular na face, e/ou nas mãos e/ou nos pés
  • Caroços (nódulos) no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos

Forma de transmissão

A transmissão ocorre quando uma pessoa com hanseníase, na forma infectante da doença, sem tratamento, elimina o bacilo para o meio exterior, infectando outras pessoas suscetíveis, ou seja, com maior probabilidade de adoecer. A forma de eliminação do bacilo pelo doente são as vias aéreas superiores (por meio do espirro, tosse ou fala), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Também é necessário um contato próximo e prolongado. Os doentes com poucos bacilos – paucibacilares (PB) – não são considerados importantes fontes de transmissão da doença, devido à baixa carga bacilar.

Tratamento

O tratamento medicamentoso da hanseníase envolve a associação de três antimicrobianos: rifampicina, dapsona e clofazimina. Essa associação é denominada Poliquimioterapia Única (PQT-U) e está disponível nas apresentações adulto e infantil. É disponibilizada de forma gratuita e exclusiva no Sistema Único de Saúde – SUS.

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