Perfil genético de tumores pode indicar melhorar condução terapêutica de pacientes com câncer no cérebro

Estudo conduzido por pesquisadores do Centro de Terapia Celular identificou assinatura genética que pode ajudar a ditar rumos da radioterapia

Redação
Foto: Reprodução/Agência Fapesp
Foto: Reprodução/Agência Fapesp

Pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) descobriram um conjunto de biomarcadores capaz de indicar quais pacientes diagnosticados com um tipo agressivo de câncer cerebral (glioma) teriam tumores com maior resistência à radioterapia. A descoberta, publicada na revista Frontiers in Oncology, pode auxiliar médicos na decisão sobre o tratamento mais indicado e com melhor prognóstico de sobrevida para os pacientes.

O glioma é o mais comum e agressivo câncer cerebral em adultos e seu tratamento consiste na remoção cirúrgica do tumor, seguida por quimioterapia ou radioterapia (ou os dois). O objetivo é eliminar o que não pode ser retirado na cirurgia e evitar, assim, que o tumor se desenvolva novamente. No entanto, devido à resistência das células tumorais ao tratamento, a taxa de sobrevida dos pacientes tende a ser baixa. Estima-se que 80% dos pacientes que passaram por sessões de radioterapia tiveram recidiva meses depois do tratamento.

“Com o estudo fornecemos um subsídio importante para uma potencial triagem de pacientes que devem ou não ser submetidos à radioterapia. É uma assinatura grande, identificamos 31 genes que quando alterados podem indicar resistência ou sensibilidade à radioterapia. Com isso, é possível verificar se existem células altamente resistentes ao tratamento por rádio na massa tumoral, o que pode auxiliar na tomada de decisão quanto à conduta terapêutica”, afirma Valéria Valente, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e pesquisadora associada do Centro de Terapia Celular.

O CTC é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da Fapesp e tem sede na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. O trabalho também foi apoiado pela Fundação por meio de um Auxílio Regular à Pesquisa.

Para chegar ao painel de biomarcadores os pesquisadores investigaram, inicialmente, perfis de expressão gênica em linhagens celulares de glioma (usadas em laboratório). Eles já haviam identificado que, dependendo da linhagem celular, havia variação no comportamento das células no que se refere à resistência ou sensibilidade à radiação.

Depois, por meio de análise do transcriptoma das células (RNAseq), os pesquisadores identificaram os genes que as células tumorais estavam expressando, para então detectar os padrões de expressão gênica que estavam relacionados à resistência ou maior sensibilidade à rádio.

Os achados do estudo em laboratório foram confirmados com as informações de um banco de dados público (The Cancer Genome Atlas – TCGA) que contém a caracterização genômica e informações clínicas de pacientes que tiveram glioma e que demonstraram sensibilidade ou resistência à radiação.

“Algumas linhagens são mais proliferativas e são justamente elas que também são mais sensíveis à radiação. Ao fazer essa correlação com os dados do transcriptoma, encontramos padrões globais de expressão gênica mais relacionados com um grupo ou outro”, diz.

Valente ressalta que o glioma, como qualquer câncer, é muito heterogêneo, e que, no caso destes tumores, essa característica é ainda mais exacerbada. Isso quer dizer que o tumor é formado por diferentes tipos celulares, sendo alguns mais resistentes à radioterapia que outros. “Nosso objetivo com esse painel de biomarcadores é permitir a identificação de tumores que contêm células que expressam a assinatura de expressão gênica associada à radiorresistência”, afirma.

A correlação entre os dados clínicos dos pacientes e a assinatura de radiorresistência mostrou que o grupo de pacientes com alteração em pelo menos 21 genes desse painel genético não responde bem ao tratamento e tem sobrevida bastante reduzida. Ou seja, a sobrevida é baixa, independentemente de terem sido irradiados ou não. “Essa é uma indicação importante, pois mostra que existem determinados indivíduos que não vão se beneficiar do tratamento de rádio. Ele vai causar um sofrimento adicional e não vai agregar sobrevida a estes pacientes”, diz.

Que genes são esses?

Os genes que formam o painel não estão relacionados com uma função específica. Os pesquisadores identificaram que as linhagens celulares que tiveram proliferação reduzida e maior resistência à radioterapia apresentam um conjunto de alterações em genes de matriz extracelular e receptores de membrana – vias regulatórias mestras, conhecidas por impactar vários processos celulares, como sobrevivência, proliferação, migração, invasão e sinalização e reparo de danos ao DNA.

Já as linhagens que apresentavam maior proliferação e sensibilidade à radiação exibiram uma assinatura distinta, revelando enriquecimentos para processos de reparo de DNA. Outro achado curioso foi que, embora vários genes de matriz extracelular e receptores estivessem superexpressos nas células sensíveis, não havia o encadeamento correto da cascata de sinalização e a via não era potencializada.

“Esse é um detalhe interessante do trabalho e que ainda deve ser investigado. Nas células resistentes, a maioria das alterações é pareada. Isso quer dizer que, quando o gene está alterado, o receptor de uma proteína extracelular está aumentado e a proteína extracelular que se liga a ele também, então a via funciona. Já nas células sensíveis, embora os genes desta via também estejam alterados, isso ocorre de forma truncada e as conexões estabelecidas na via de sinalização não funcionam. Falta algo para completar o caminho de ativação dessa rota. Por isso, cada via identificada precisa ser analisada individualmente em novos estudos”, diz Valente.

“A ideia agora é investigar esse fenômeno em outros tumores. São evidências importantes que podem aumentar o arsenal de biomarcadores terapêuticos aplicados ao câncer e auxiliar os oncologistas na indicação do melhor tratamento”, comenta Wilson Araújo Silva Junior, líder do grupo no Centro de Terapia Celular. Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp.

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