Preconceito de Bolsonaro só reforça alta rejeição no Nordeste

Por Leonardo Sakamoto – Jair Bolsonaro (PL) chamou nordestinos de “pau de arara” na noite desta quinta (3). A declaração preconceituosa, que até parece uma tentativa inconsciente de cometer sincericídio eleitoral, serve para nos lembrar o porquê de seus índices de popularidade serem muito baixos na região.

Após perguntar a assessores, em sua live semanal, qual a cidade de culto de padre Cícero e não obter resposta, ele afirmou: “está cheio de ‘pau de arara’ aqui e não sabem que cidade fica padre Cícero?” Ah, e ele ainda teve tempo para confundir Pernambuco com Ceará.

“Pau de arara” são caminhões adaptados para transportar passageiros em sua carroceria. Foram muito usados nas migrações para a região Sudeste décadas atrás. Muita gente pobre sofreu no lombo deles, na esperança de conseguir vida nova. Por isso, a bizarra fala presidencial também denota preconceito de classe.

Ironicamente, ou nem tanto, quem pegou um pau de arara para ir de Caetés (PE) até Santos (SP), em uma viagem, em 1952, que durou 13 dias e 13 noites, foi o menino Luiz Inácio da Silva, muito antes de se tornar Lula, acompanhado de sua mãe e cinco irmãos. De acordo com sua biografia escrita por Fernando Morais, a família comeu apenas rapadura e farinha nessa migração.

Favor não confundir com o ‘pau de arara’, instrumento de tortura composto de uma barra de ferro ou de madeira, na qual a vítima é pendurada pelas pernas e amarrada em concha, levando o sangue a parar de circular e o corpo inchar, a fim de provocar fortes dores no corpo, usado para quebrar adversários políticos. Foi usado amplamente por torturadores da ditadura militar considerados heróis pelo presidente.

O Nordeste entrega a Bolsonaro a maior taxa de reprovação de seu governo (58%), a menor de aprovação (17%), a maior rejeição eleitoral (67%), o mais alto índice de cidadãos que não confiam em suas declarações (68%), a maior taxa daqueles que consideram que ele cuida mal do país (70%) e a maior quantidade de eleitores que acreditam que ele é o pior presidente da história, entre todas as regiões brasileiras, segundo o último Datafolha.

Após perguntar a assessores, em sua live semanal, qual a cidade de culto de padre Cícero e não obter resposta, ele afirmou: “está cheio de ‘pau de arara’ aqui

Enquanto isso, o Nordeste dá 44% de votos espontâneos (aquele em que não se oferece opções) a Lula e apenas 14% a Bolsonaro. Quando a pesquisa é estimulada com nomes de pré-candidatos, o ex-presidente vai a 61% da região e o presidente apenas a 17%.

Jair aposta que esses números devem mudar quando mais parcelas do Auxílio Brasil de R$ 400 caírem nas contas de famílias que costumavam receber o Bolsa Família. Contudo, esse ganho pode ser reduzido pela inflação que disparou sob sua gestão, alcançando 10,06% no ano passado e prometendo que não dará trégua neste ano.

E para tentar reduzir a rejeição no Nordeste, ele tem viajado durante seu horário de trabalho para inaugurar até trecho de asfalto. No ano passado, visitou a região mais de duas dezenas de vezes, em uma campanha eleitoral ilegalmente antecipada.

Curiosamente, quando foi instado a ir ao Nordeste em um momento de dificuldade, fez a egípcia. Diante das chuvas que atingiram o Sul da Bahia no início de dezembro, só visitou a região após muita pressão da opinião pública. E quando foi lá, em 12 de dezembro, gastou tempo que deveria ser usado em solidariedade ao povo para atacar o isolamento social, que salvou vidas durante a pandemia.

Depois disso, as chuvas voltaram com mais força e os mortos se acumularam. Mas Bolsonaro terceirizou a responsabilidade para ministros e foi se divertir no litoral de Santa Catarina em férias bancadas com dinheiro público.

Nas pesquisas na região nordeste o presidente está apenas a 17%.

As cenas dele andando de jet ski, andando em carros de corrida e se aglomerando com simpatizantes enquanto voluntários tentavam salvar vidas em um Sul da Bahia submerso são de uma insensibilidade chocante.

Tão insensível quanto reduzir cidadãos do Nordeste a um meio de transporte adotado não por gosto, mas por necessidade, diante da falta de dinheiro para o ônibus.

Em julho de 2019, pouco antes de um café da manhã com correspondentes internacionais, um microfone captou um áudio de sua conversa privada com o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Nela, é possível ouvir o presidente usar a expressão “governadores de Paraíba”, referindo-se aos da região Nordeste.

Nós, sudestinos, somos preconceituosos com o Nordeste e o Norte do Brasil, apesar de acharmos que não. Talvez o inconsciente de Bolsonaro se sinta à vontade de dizer o que diz, em uma transmissão para milhares de pessoas e ocupando o principal cargo público do país, porque sabe que, infelizmente, tem o respaldo silencioso de muita gente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *