Quem foi Kurt Gödel, o matemático comparado a Aristóteles que fazia caminhadas com Einstein
Era uma dupla que chamava a atenção por vários motivos.
Um deles, de cabelos rebeldes brancos, usava camisa amassada, calças largas e suspensório quando caminhava pelas ruas de Princeton, nos Estados Unidos, parando ocasionalmente para tomar sorvete. Trata-se de Albert Einstein que, já na década de 1930, era o cientista mais famoso do mundo.
O outro, mais jovem, se vestia de forma tradicional e usava óculos de aro escuro, o que lhe conferia uma expressão austera. Era o matemático Kurt Gödel, descrito como o mais importante filósofo do mundo, depois de Aristóteles.
Embora fosse menos famoso que Einstein, era muito conhecido no círculo acadêmico por “ter sacudido os fundamentos da nossa compreensão sobre a mente humana”, declarou a Universidade de Princeton ao lhe conferir um doutorado honorário.
Fuga do nazismo
Os dois foram a Princeton, nos Estados Unidos, por causa da ascensão do nazismo na Alemanha. Um por ser de origem judaica (Einstein), e o outro para fugir do destino como soldado do exército de Hitler (Gödel).
Ambos rechaçavam a teoria quântica, contrariando a corrente dominante, e compartilhavam um fato que os tornava excepcionais: modificaram nossa percepção do mundo quando tinham apenas 25 anos de idade.
Einstein, com com sua brilhante fórmula E=mc2. E Gödel, com a descoberta de que nunca poderemos ter certeza de que 1 não é igual a 0.
‘Senhor por quê’
Gödel nasceu na Áustria em 1906, um ano depois de Einstein provar que o tempo, da forma como era compreendido, é uma ilusão.
A família de Gödel o apelidou de “senhor por quê”, por ser extremamente curioso. Desde muito jovem, gostava de estudar diferentes idiomas, religiões, matemática e história.
Quando entrou na Universidade de Viena, aos 18 anos, já sabia tanto sobre matemática que os cursos regulares nada tinham a acrescentar. Eventualmente, se interessou pela lógica matemática, a que descrevia como “uma ciência anterior a todas as outras, que contém as ideias e princípios que subsidiam todas as ciências”.
A ‘revolução’ de Gödel
Até o século passado, a matemática era conhecida como a ciência capaz de oferecer “certezas”. Era um mundo em que tudo era verdadeiro ou falso, certo ou errado. Se fosse aplicada corretamente, sempre seria possível descobrir a resposta certa, exata.
Mas em 1900, quando o Congresso Internacional de Matemáticos se reuniu em Paris, o ambiente era tanto de esperança quanto de questionamentos. A consistência da matemática estava sendo contestada. Durante o congresso, um jovem chamado David Hilbert lançou o plano de reconstruir os fundamentos da matemática, para torná-los consistentes e livres de paradoxos.
Hilbert era um dos maiores matemáticos do mundo, mas seu plano fracassou por “culpa” de Kurt Gödel. Com sua tese de doutorado, Gödel pôs um ponto final a essa pretensão, demonstrando que havia problemas na matemática que eram impossíveis de serem resolvidos. A deslumbrante clareza e exatidão da matemática era, na realidade, um labirinto repleto de paradoxos.
Gödel provou que: 1) Em qualquer sistema formal axiomático consistente que possa expressar feitos sobre aritmética básica, há enunciados verdadeiros que não podem ser provados; 2) Que a consistência do sistema não pode ser provada dentro do mesmo sistema.
São os teoremas da incompletude. Se você ficou confuso, não se preocupe, você não está sozinho.
Há mais verdades do que podemos provar
Por sorte, houve várias tentativas de explicar de forma didática os teoremas da incompletude, para que todos pudessem compreender o grande feito do “senhor por quê”.
Em resumo, o que Gödel fez foi usar a matemática para provar que a matemática não consegue ser sempre comprovada por meio de cálculos. Em qualquer sistema há afirmações que são verdadeiras, mas que não podem ser comprovadas.
Mudança de paradigma
Os teoremas da incompletude revolucionaram a matemática e inspiraram pessoas como John von Newman, um dos criadores da Teoria dos Jogos, e Alan Turing, criador do sistema matemático que viabilizou os computadores que usamos hoje.
Também se mostraram valiosos para a Tecnologia da Informação. O reconhecimento de que existem coisas que não podem ser provadas estabeleceu um limite ao que os computadores são capazes de resolver, evitando a perda de tempo de tentar alcançar o que é impossível.
Muitos apostam que os teoremas de Göbel impactarão outros campos. O físico, matemático e filósofo Roger Penrose, por exemplo, considera que eles poderão ajudar a descobrir uma nova física que explique os mistérios da consciência.
Temores e angústias
Ao final da carreira, quando estava prestes a se aposentar, Einstein comentou que continuava a ir a seu escritório apenas para ter o privilégio de caminhar com Gödel, algo que fez até pouco antes de morrer, em 1955.
Os dois cientistas batiam papo durante o trajeto até o Instituto de Estudos Avançados de Princeton. Alguns pensamentos de Gödel, porém, eram obscuros. Sempre viveu atormentado por temores e angústias. Tinha, por exemplo, pavor de ser envenenado.
Por isso, se recusava a comer sem que sua esposa, Adele, provasse a comida antes. Quando ela ficou doente e teve que ser hospitalizada por um longo período, Gödel praticamente deixou de se alimentar. Por medo que o matassem, acabou morrendo de inanição em 1978.