“Só reajo e grito quando Fortaleza é contrariada”

Um dos gestores mais bem avaliados do País, com uma obra marcante na educação, saúde e, principalmente, no enfrentamento ao caos da mobilidade urbana que grandes centros urbanos enfrentam, o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), recebeu, ontem, este blogueiro para uma longa entrevista e deu o segredo do sucesso. “Gestão fiscal, cortes na carne, comprometimento com a educação, o social, a saúde e coragem para se criar uma política de intervenção no trânsito para dar qualidade de vida ao cidadão”, afirma.

Aos 44 anos, pai de dois filhos, médico por vocação, Roberto Cláudio é a mais grata e genuína revelação do grupo político cearense Ferreira Gomes, há mais de 30 anos dando a receita de modelo de gestão no Estado, hoje liderado pelo governador Camilo Santana (PT), com quem celebra grandes dobradinhas para mudar a face social perversa de Fortaleza, cidade de explosão demográfica beirando aos três milhões de habitantes. Tirou do papel promessas de campanha que pareciam impossíveis, como a promoção do maior conjunto de obras viáriasque mudou profundamente o conceito de mobilidade urbana.

Não briga, não afronta presidente da República e trabalha feito um monstro, o dia inteiro que Deus dar. O encontrei, no final da tarde de ontem, no seu gabinete, um prédio antigo e charmoso, localizado por trás da Catedral, cartão postal da cidade, de onde parece receber as benções divinas e sagradas para tamanha coragem de enfrentar desafios sem ficar resmungando da União, como outros prefeitos de capitais. Aliás, quando perguntei se era correto se posicionar numa postura de enfrentamento ao presidente Bolsonaro, como faz, por exemplo, o prefeito do Recife, Geraldo Júlio, ele disse que sua voz só ecoa além dos marescearenses quando os interesses de Fortaleza não contrariados.

“Postura de agressividade não é da nossa cultura nem dá resultados”, avalia, para acrescentar: “O que o povo espera de nós, gestores públicos, é muito trabalho, são soluções impactantes e criativas, que levem à melhoria dos serviços públicos e garanta no presente e no futuro qualidade de vida”, resume. Roberto Cláudio não é adepto do paletó e gravata. Trabalha de calça jeans, veste camisa social e pólo. Hoje pela manhã, ele vai entregar mais dez estações de ciclovias, num total de 285, a maior infraestrutura cicloviária do País.

Até o final deste ano, fechando o seu duplo mandato, Fortaleza ficará com 400 km de malha cicloviária, tendo saído de apenas 68 km em 2013 quando assumiu a Prefeitura, incremento de 313% na malha cicloviária da capital, onde andar de bicicleta está virando uma mania, mas de forma segura, com faixas exclusivas, bem sinalizadas e protegidas dos carros, desde a orla ao bairro mais popular da cidade.

Na Avenida Bezerra de Menezes, uma das mais movimentadas da cidade, por exemplo, o fluxo de ciclistas, hoje, já é de 3,8 mil por dia. Foram essas e outras intervenções no trânsito que deram ao prefeito dezenas de prêmios, inclusive internacionais. Fortaleza é, hoje, uma cidade em que a taxa que se paga para estacionar o carro na chamada Zona Azul o dinheiro é todo revertido em ciclofaixas e em estações de bicicletas. Hoje, já é possível locar uma bicicleta por até 12 horas e tem muita gente fazendo isso, para deixar o carro em casa, ganhar mais tempo no trânsito e saúde, também, porque é um dos esportes mais recomendados por médicos.

O senhor é um médico de sucesso. O que o levou entrar para a política?

Essa é uma pergunta eu sempre me faço e não sei qual foi o ponto de origem da minha decisão. Não tenho políticos na família, apenas meu pai teve uma vida de política acadêmica, chegando a ser reitor da Universidade de Fortaleza e isso me deu oportunidade de conhecer muita gente e a me envolver com o movimento estudantil. Porém, decidi fazer saúde pública, que já é um caminho percorrido por muitos que optam por seguir a vida pública, mas não sei em que ponto se deu o estalo. Quando eu voltei do Doutorado, me envolvi com o programa de Saúde da Família no interior do Estado, fui estimulado por familiares e colegas e tomei a decisão de seguir o caminho da política e desde então tenho feito com muito entusiasmo e paixão.

Começou por onde?

Fui deputado estadual no primeiro mandato em 2006, com 31 anos de idade. Reeleito em 2010, fui presidente da Assembleia Legislativa numa composição para unir a casa. Em 2012, meu partido, que era o PSB, me lançou como candidato a prefeito.

Então, o senhor conviveu com Eduardo Campos. Ele veio aqui se envolver na sua campanha?

Ele não esteve aqui, mas gravou uma mensagem de apoio. Tínhamos apoiadores fortes como Ciro e Cid Gomes e fomos eleitos numa eleição duríssima de dois turnos contra o candidato do PT, Elmano de Freitas. Na largada do segundo turno, saímos com uma desvantagem de 2% e acabamos ganhando por 6%. Fiz o primeiro mandato, fui candidato à reeleição em 2016, ganhei e agora estou terminando o quarto ano do segundo mandato muito feliz e honrado por ter sido prefeito da cidade que nasci, cresci, casei e que tem muito potencial.

Qual é o traço da sua administração? Mobilidade urbana?

A mobilidade urbana é a marca mais reconhecida pela população pelo ineditismo das ações. Quando se faz coisas novas, que criam polêmicas, que dividem a cidade, certamente isso fica marcado. Eu quero no futuro ser reconhecido pelos investimentos na educação. Esse é setor que demos atenção especial, tiramos Fortaleza dos últimos lugares nos rankings de avaliação, para hoje termos a quarta maior rede de educação do País. Temos a segunda melhor rede de educação do Norte/Nordeste e a maior rede de tempo integral. Além disso, Fortaleza é a capital que mais abriu vagas absolutas de creche. Temos investimento sólido em qualificação. Em cidades desiguais como a nossa, eu creio que esse investimento na educação é o caminho definitivo para promover oportunidades para crianças e jovens que nascem em ambientes mais vulneráveis.

Fortaleza era uma cidade “travada” no trânsito e melhorou. Qual foi a receita?

Mais do que a melhoria no trânsito, o conjunto de políticas inovadoras que priorizaram o transporte público, que montaram uma nova política cicloviária, que melhoraram a segurança viária e dos pedestres, deram essa nova dimensão na mobilidade urbana de Fortaleza.

Eu percebi que há uma preocupação especial com os ciclistas. O senhor acha que no futuro as pessoas vão usar mais bicicleta do que carro em Fortaleza?

A primeira ciclofaixa que implantei, apanhei muito. Lembro que uma senhora me parou na rua, falou comigo, disse que tinha votado em mim, mas nunca mais votaria porque eu tinha botado uma faixa de bicicleta na frente do apartamento dela. Era onde o neto estacionava o carro (risos). Então, essa é uma mudança cultural, mal compreendida à época. Mas quando se aposta numa mudança positiva, se há bons argumentos, a população adere. Hoje é um sucesso, é uma febre. É uma vitória civilizatória para mim. As grandes mudanças não passam apenas por obras, passam por coisas que estimulem mudanças de hábitos. E a política cicloviária aqui é uma resposta de compromisso de futuro, de modernidade. Fiquei impressionado com a repercussão e hoje somos exemplo até para algumas agências internacionais. Recebemos o prêmio de Prefeito Empreendedor do SEBRAE. Também recebemos outros internacionais na área de política de juventude, de mobilidade, um prêmio Global de mobilidade sustentável, recebemos homenagens na área de educação. Mas o maior reconhecimento é de ir para a comunidade, andar, ver no olho das pessoas a repercussão daquilo. É ser reconhecido por uma escola em tempo integral, uma nova UPA aberta, isso tem muito mais valor do que qualquer prêmio. A gente se alimenta do aplauso público e do que aquilo que a gente faz poder gerar algo positivo no futuro de um jovem, na saúde de um idoso.

O senhor copiou alguma experiência de fora para trazer esse modelo para cá?

Sim, eu costumo dizer que a gente inventa algumas coisas, mas isso é um acumulado de experiências. Em sempre mantive uma pauta de parcerias internacionais aqui em Fortaleza, pois há experiências em cidades vencedoras que podem ser replicadas para a nossa realidade. Muita coisa que nós implantamos já tinha sido feita em cidades do mundo que visitei.

O senhor falou em avanços na saúde. Existe uma obrigatoriedade de 15% de investimento nessa área. O senhor investiu mais do que esse patamar?

A gente investiu no ano passado 29%. Se você fizer uma pesquisa de piores serviços públicos em qualquer cidade, vai aparecer a saúde em primeiro lugar. Eu sou médico sanitarista, criei uma série de serviços novos e tenho esse mesmo desafio em Fortaleza. Vejo que existem motivos para isso. O primeiro é o humor. Por que ninguém procura o serviço de saúde num momento feliz, procura na dor. Então, é natural que as frustrações do atendimento na hora da dor acabem impactando na avaliação.

Qual é o segundo?

É a demografia. São mais de dois milhões de usuários do SUS em Fortaleza. E o terceiro é a frustração de expectativas, pois foi dito ao cidadão na Constituição que ele tem tudo de graça a qualquer hora. E os governos brasileiros trataram de reafirmar esse direito na teoria, mas nunca assumiram a responsabilidade de efetivar. Então, os municípios acabam pagando essa conta. A gente gasta o dobro do que era para gastar.

O que foi feito então?

Nós duplicamos a cobertura do PSF, criamos 12 UPAS, uma rede de Policlínicas, atendimento domiciliar, rede de saúde mental, vamos ter 400 leitos públicos a mais em Fortaleza, abrimos 25 unidades básicas de saúde, ou seja, fizemos um esforço de ampliação de serviços, mas com a humildade de saber que o desafio é grande e não está tudo resolvido. É uma junção entre Município, Estado e União. Há uma parceria com o Governo Estadual, mas falta à União se comprometer em efetivar o investimento na saúde.

Onde o senhor está arrumando dinheiro para realizar essas ações?

A primeira tarefa, que é impopular, foi organizar a casa. Fizemos um ajuste fiscal no início para que a austeridade fiscal não fosse só um discurso de eleição. Foi impopular, mas cortamos na carne onde existia ineficiência, projetos sem resultados, estruturas que não deram certo e até corte de pessoal. Economia você faz em tudo: internet, luz, terceirização. E isso no primeiro governo gerou mal-estar. Com um ano e meio de gestão, tive minha pior avaliação. Mas esse dever de casa permitiu que a gente chegasse à melhor situação fiscal desses últimos anos em Fortaleza, mesmo passando quatro anos de crise. Terminei este último ano com superávit e com o maior investimento realizado da história. Não há segredo, é uma coisa de bom senso. Austeridade fiscal todo dia, aprumo da casa e vigilância quando os gastos aumentam.

Já existe em Fortaleza investimento que o senhor possa carimbar como sendo do Governo Jair Bolsonaro?

Vivemos o primeiro ano do governo Bolsonaro. Faço parte de um partido de oposição, discordo de algumas situações políticas e econômicas, mas quem está na posição que eu estou, tem que brigar pelo seu povo e fazer parcerias. Agora, quando é necessário fazer críticas e disputar algo de interesse da cidade, vou para o enfrentamento, como também discordo de posições nacionais que me parecem aberrantes.

Que tipo de enfrentamento?

Fiz críticas ao Ministério da Educação, à omissão ao Fundeb, ao conjunto de erros de posicionamento político internacional, de diplomacia, e ao entreguismo aos interesses americanos que são contraditórios aos interesses do País. Entretanto, isso é parte do papel político. A outra parte é apresentar projetos e construir pautas que possamos fazer juntos. Eu estou botando na conta de ser o primeiro ano de governo o fato de ter faltado investimento em Fortaleza.

Bolsonaro dá sinais de que não tem dado muita atenção ao Nordeste quando, no conjunto da sua equipe, não tem um só ministro da Região?

Acho que o Nordeste precisa de atenção maior. Se presidente fosse e não tivesse ganhado no Nordeste, estaria buscando construir relações, tentando saber quais são os interesses da região, mas não quero fazer juízo de valor. A despeito de tudo isso, tivemos três financiamentos internacionais aprovados e eu destaco isso, pois no Governo Temer, por exemplo, esses financiamentos foram obstruídos por ação política deliberada, por perseguição de alguns atores políticos aqui do Ceará que atuavam em Brasília fazendo oposição, mas são águas passadas, até por que as coisas foram resolvidas. Portanto, temos que fazer críticas, mas precisamos buscar o diálogo e vamos esperar que os próximos anos sejam de mais parcerias com os municípios. É uma queixa geral. Espero que depois desse ano de contingenciamento, haja o olhar da União, pois essa foi uma proposta do presidente, de “mais Brasil e menos Brasília”, vamos ver se isso se concretiza.

O senhor já tem seu candidato a prefeito?

A gente tem um conjunto de nomes novos que não foram candidatos em cargos majoritários e que não têm um nível de conhecimento público elevado. E temos um grupo de lideranças fortes, com ex-governadores, vários parlamentares. A preocupação é chegar à época da eleição com um governo bem avaliado e com a população querendo saber quem é o candidato e quais são suas propostas. A tarefa agora é focar na gestão e estar bem ao final. O segundo é construir um consenso dentro do processo, para sairmos com um nome que represente modernidade, ousadia e capacidade. Estamos tratando de fazer esse projeto de futuro e ao longo dos próximos meses a gente apresenta esse nome à cidade.

O Governador é do PT, mas o PT aqui tem outra corrente. O senhor teme que essa outra corrente, liderada pela ex-prefeita Luizianne Lins atrapalhe a escolha do candidato do senhor, que é de outro partido, o PDT, mas aliado ao PT do núcleo do governador?

O PT tem uma dinâmica muito própria. Em alguns lugares, o PT municipal tem posições diferentes do estadual e respeito bastante isso. Nós votamos no governador nas duas últimas eleições, é um aliado importantíssimo e ele tem sinalizado que fará todo o esforço possível para manter essa aliança com o PT. A ex-prefeita é do PT e é pré-candidata, mas vamos aguardar o desfecho. Tem coisas em política que quanto mais fala, mais atrapalha (risos). Vamos aguardar a posição do PT, embora o Camilo (Santana) tenha dado uma entrevista anunciando o interesse de construir um consenso na medida do possível. Mas hoje estamos trabalhando no projeto do PDT em ter candidatura própria. Já há aliados partidários que têm interesse em manter a aliança e vamos conversando, mas repito que aqui em Fortaleza temos uma união história entre Prefeitura e Governo.

(Magno Martins)

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