‘Um Limite Entre Nós’: a vida nas zonas de exclusão do sonho americano

Denzel Washington tomou a legítima decisão de não esconder as origens teatrais do texto que rendeu um Oscar a Viola Davis

Viola Davis e Denzel Washington, em ‘Fences’.

JORDI COSTA

Como um Willy Loman afro-americano, Troy Maxson, protagonista de Um Limite entre Nós (Fences), peça teatral de August Wilson premiada com o Pulitzer e o prêmio Tony (principal prêmio de teatro dos EUA) de melhor obra em 1987, é um triatlo para todo ator que ousa se colocar em sua pele: cristalização trágica dos sonhos desfeitos de uma comunidade relegada às zonas de exclusão do sonho americano, Maxson se movimenta como uma orquestra sinfônica na perpétua execução de notas dissonantes, entre o orgulho do sobrevivente e a raiva do despossuído, entre o desejo de proteção e voracidade de um Saturno que arranca pela raiz os brotos de futuro de seus filhos, entre a exaltação e o desamparo, entre as bravatas de quem se sente capaz de enfrentar a morte com um taco de beisebol e a cegueira de quem é incapaz de perceber que está condenando seus entes queridos à frustração e à morte em vida.

Interpretado por James Earl Jones na estreia da peça na Broadway, Maxson valeu a Denzel Washington um prêmio Tony de melhor ator na reestreia da obra em 2010, numa montagem em que Viola Davis, premiada com o Tony de melhor atriz, assumiu o papel da castigada mas compassiva esposa do protagonista.

Os dois atores retomam seus papéis nessa adaptação cinematográfica dirigida por Washington sob o imperativo respeitar as palavras de August Wilson –que, morto em 2005, pôde terminar a primeira versão do roteiro– como se fossem um texto sagrado. Adaptado ao cinema, o filme foi indicado a quatro prêmios no Oscar 2017 (melhor filme, roteiro adaptado, ator e atriz coadjuvante), e saiu com uma estatueta da cerimônia, com a premiação de Vila Davis como melhor atriz coadjuvante.

Sexta parte do Ciclo de Pittsburgh –conjunto de dez obras em que Wilson condensou a experiência afro-americana ao longo do século XX–, Fences encontra na figura de Troy Maxson, lixeiro ao qual foi negado um futuro profissional no esporte, a síntese perfeita dos contrastes morais anteriores ao movimento pelos direitos civis.

Washington tomou a legítima decisão de não esconder as origens teatrais do texto, mas às vezes prevalece a impressão de que cada ator leva as marcações coladas na lapela. O recital de Washington é poderoso, apesar de seus ocasionais picos de excesso, apesar do nó no peito de uma Viola Davis traída se erigir no ápice emocional de um trabalho cujo tom não consegue preparar o espectador para um movimento de câmera final que deveria se elevar ao transcendente e não ao kitsch.

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