Associações se fortalecem no semiárido

Por: Sebastião Araújo – Diario de Pernambuco

Carnaíba, a 394 quilômetros do Recife, desenvolve meios de enfrentar a estiagem prolongada, ajudando na sobrevivência do homem do campo. Foto: Roberto Arrais / Divulgação
Carnaíba, a 394 quilômetros do Recife, desenvolve meios de enfrentar a estiagem prolongada, ajudando na sobrevivência do homem do campo. Foto: Roberto Arrais / Divulgação

As chuvas dos últimos meses têm contribuído para uma melhor vivência do homem do campo com o semiárido, mas sem elas o sertanejo ainda continua sofrendo com a estiagem. Para enfrentar as dificuldades durante o longo período de falta de chuva, o camponês tem procurado se beneficiarde tecnologias e procedimentos apropriados ao contexto ambiental e climático, construindo processos de vivência na diversidade. Neste sentido, em Carnaíba, a 394 quilômetros do Recife, as comunidades rurais têm buscado qualidade de vida e permanência na terra, desenvolvendo e se favorecendo de políticas de convivência com o semiárido.

Na Associação dos Trabalhadores Rurais do Sítio Antonico, no distrito de Ibitiranga, a 31 quilômetros da sede, os associados vivem do plantio de milho, feijão, macaxeira e fava. O presidente da associação, José Cordeiro Ramos, 48 anos, consegue escoar a produção para a vizinha Afogados da Ingazeira, além de comercializá-la no mercado local. No ano passado, ele colheu 17 sacos de milho e nove de feijão. A expectativa de colheita este ano é maior devido às recentes chuvas. “Vamos colher mais”, diz a agricultora Maria do Socorro Silva Ramos, 44, mulher do presidente da associação. Juntos, se beneficiam também do plantio de palma e cana de açúcar, e da criação de galinhas e porcos. “O que não pode é a gente ficar em casa sem fazer nada. Na roça, a gente vê resultado”, pontua Maria do Socorro.
Modelo de gestão
Agricultora Maria José beneficia polpa de fruta no sítio onde mora. Foto: Roberto Arrais / Divulgação
Agricultora Maria José beneficia polpa de fruta no sítio onde mora. Foto: Roberto Arrais / Divulgação
A Associação José Saturnino da Silva, que abrange os sítios Brejo, Barreiros, Brejinho, Quinta, Alegre e Cauíra, é uma referência na região em termos de organização e desenvolvimento de projetos de convivência com o semiárido. Um deles é uma pequena indústria de beneficiamento de polpa e de fabricação de doces de frutas típicas, como o umbu. Calcada na agricultura familiar, a produção chega ao mercado local e é direcionada também para a merenda escolar de Carnaíba. A associação mantém um grupo de mulheres, que além de tocarem a fábrica de polpa e doces, produz a biojoia, artesanato confeccionado a partir de materiais vindos da natureza.

Em parceria com organizações não-governamentais como Diaconia e Sabiá, que atuam na regiáo, a associação consegue fazer com que o artesanato produzido esteja presente em feiras e eventos realizados no estado. A associação José Saturnino da Silva, que tem sua base no Sítio Barreiros, a 37 quilômetros do centro de Carnaíba, é ainda um exemplo de empreendedorismo, através da implantação de biodigestor, tecnologia usada no tratamento de fezes do gado, que gera o biogás, usado como combustível no cozimento de alimentos, e do bioágua, reuso da água de pias e banhos para irrigacão de plantas nativas e frutíferas da região.

A associação desenvolve também projeto de barramento do solo e reflorestamento da caatinga. É ainda referência na produção e manuseio de cisternas. A entidade existe desde 2002 e é presidida pelo agricultor Reginaldo Batista da Silva, 56. Constantemente recebe grupos de camponeses de várias regiões do país e de técnicos que querem conhecer o modelo de gestão da organização. Já os agricultores integrantes da Associação do Riacho do Peixe 2 estão mais voltados ao plantio de hortaliças, como é o caso de Adiezio Nicolau da Silva, 34, que tem destaque na plantação de coentro, abastecendo o mercado local.Barragem localizada entre o Leitão e Cabelo, no leito do Rio Pajeú, em Carnaíba, minimiza a estiagem

Conselho busca alternativas sustentáveis
José Cordeiro e Maria do Socorro tiram da roça o sustento diário. Foto: Roberto Arrais / Divulgação
José Cordeiro e Maria do Socorro tiram da roça o sustento diário. Foto: Roberto Arrais / Divulgação

José Cordeiro e Maria do Socorro tiram da roça o sustento diário As 54 associações de Carnaíba, no Sertão do Pajeú, integram o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condresca), fundado em 1998. Noventa por cento estão distribuídas pela área rural, as demais estão localizadas na zona urbana. O Conselho se reúne uma vez por mês com as associações e parceiros, como a Secretaria de Agricultura de Carnaíba, Prefeitura Municipal, Câmara de Vereadores e igrejas, entre outras instituições. Por ser agente de desenvolvimento rural e líder comunitário, o secretário de Agricultura, José Ivan Pereira, 43 anos, é o presidente do Conselho.

“Nós procuramos ouvir as associações em suas reivindicações e depois buscamos parceiros que possam nos ajudar a sanar o problema apresentado por elas”, argumenta José Ivan. Em parceria com a Secretaria de Agricultura, o Condresca dá assistência ao homem do campo no período de estiagem com o fornecimento de carros-pipa e ainda desenvolve projeto de cisternas com capacidade cada uma para 12 mil litros, visando melhorar o abastecimento de água em todo o município.

O projeto objetiva também levar água encanada até as residências da área rural que enfrentam dificuldade em ter o líquido direto na torneira. O Conselho tem se mobilizado na distribuição de kits de irrigação que deverão beneficiar cerca de 50 famílias envolvidas com a agricultura familiar, como aconteceu nesta sexta-feira, e em parceria com a prefeitura mantém projeto de perfuração de poços – atualmente 19 comu idades foram atendidas.

Barragem localizada entre o Leitão e Cabelo, no leito do Rio Pajeú, em Carnaíba, minimiza a estiagem. Foto: Roberto Arrais / Divulgação
Barragem localizada entre o Leitão e Cabelo, no leito do Rio Pajeú, em Carnaíba, minimiza a estiagem. Foto: Roberto Arrais / Divulgação


Barragens minimizam estiagem

Graças a um investimento de R$ 150 mil feito com recursos do tesouro municipal, a prefeitura de Carnaíba inaugurou a Barragem da Itã, na sexta-feira (16). A barragem já represou mais de 2,8 quilômetros do leito do Rio Pajeú e como acontece na Barragem do Leitão, também está sangrando. Cerca de 120 ribeirinhos que vivem nas proximidades do reservatório estão sendo beneficiados com a obra. Segundo o prefeito Anchieta Patriota, o objetivo da construção dessas barragens é perenizar boa parte do curso do rio, transformando Carnaíba no primeiro município da região a fazer esta ação.

Durante a solenidade de inauguração da barragem, também foram entregues 50 kits de irrigação para famílias de agricultores. O material foi adquirido pela prefeitura por meio de parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado e conta com caixa d’água de mil litros, canos, bomba elétrica, mangueira e gotejador. Cada kit tem capacidade para irrigar uma área de 0,5 hectare.

Na época de seca braba, o agricultor Milton Luiz da Silva, 52 anos, tinha que caminhar cerca de  dois quilômetros e meio para conseguir água. “Era um sacrifício”, relembra, queixando-se de  problemas na coluna, que compromete  sua mobilidade. Agora, a realidade do agricultor, residente no Sítio Cabelo, é outra. No leito do Rio Pajeú, que corta o município de Carnaíba em torno de 18  quilômetros, a Secretaria de Obras está construindo barragens de nível – pequenas elevações feitas de pedras que respeitam o nível do rio, armazendo água. Três estão funcionando e mais três estão em fase de projeto. Com as chuvas recentes na região, uma delas, inaugurada nesta sexta-feira (15),  já  está sangrando. “Esta barragem representa a transformação de uma comunidade. A água traz mais facilidade na produção de ração para os animais, na produção de fruticultura e horticultura e  melhoria alimentar da população através da piscicultura”, destaca o secretário de Obras, Edval  Morato, 49, o Fafinha.
Benefícios
Só no  Sítio Cabelo, a barragem favorece 21 famílias. “Esta  água representa muito para a gente. Ela trouxe de volta a vida para a comunidade”, diz o agricultor Milton Luiz. Também foram beneficiadas 329 famílias do Sítio Leitão, onde a barragem que está sangrando foi construída. “Pedi a Deus para mandar chuva para não faltar água na barragem”, emenda Milton Luiz. A barragem cheia tem feito a alegria  dos pescadores “improvisados”, que pescam tilápia, traíra e curimatã. “A gente tem o pirão garantido. Essa água é a nossa grande riqueza”, comenta o agricultor José Laranjeira da Silva, 61, conhecido como José de Miúdo. “Soltei até fogo na inauguração da barragem”, diz ele. Nos finais de semana, o entorno da barragem tem servido como uma espécie de balneário para o sertanejo, que aproveita e transforma o reservatório numa verdadeira piscina. Os leitos dos riachos nos sítios Matinha e Mata Grande também vão ganhar pequenas intervenções para o armazenamento de água. (SA)

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