Novo xodó do Flu, Leo Pelé relembra como preconceito racial quase o fez desistir da carreira

Leo foi às lágrimas ao marcar o primeiro gol como profissional
Leo foi às lágrimas ao marcar o primeiro gol como profissional 
Rafael Oliveira

Por trás das lágrimas de Leo Pelé — depois de marcar seu primeiro gol como profissional, domingo, na vitória do Fluminense sobre a Portuguesa por 3 a 0 —, há uma história que nada combina com a alegria do futebol. Envolve as dificuldades provocadas pela pobreza e o preconceito racial. Mas traz à tona também um jogador de espírito guerreiro, que fez com a própria vida aquilo que o Tricolor busca para si mesmo: dar a volta por cima.

A cor da pele não deveria interferir nestes quase 21 anos de vida de Leo. Mas não foi assim quando ele, então um jovem entre 12 e 13, tentou entrar num shopping de Santos. Acabou barrado pelo segurança.

 

— Ele veio para cima de mim: “Veio aqui para pedir dinheiro, seu pivete? Sai daqui”. Respondi que não, que só queria passar por ali porque do lado de fora era muito escuro — contou o lateral, que viveu dois anos em Santos sozinho (num projeto idealizado por Pelé e tocado pelo também ex-santista Manoel Maria) antes de começar no Fluminense: — Isso é a minha maior inspiração. Foi um momento muito dificil na minha carreira. Quando saí do shopping já pensei em largar tudo. Não passei por humilhação maior na vida do que aquela.

Leo com o pai, José Carlos
Leo com o pai, José Carlos Foto: Arquivo pessoal

Que ele não abandonou a carreira todo mundo sabe. Mas o responsável por ajudá-lo a usar essa história como inspiração para seguir em frente é um personagem à margem dos holofotes do futebol: seu irmão Renato. Foi a ele que Leo recorreu.

— Viajei no dia seguinte para Santos — lembra Renato: — Conversamos educadamente com o segurança e a gerência. Depois, sempre que ele ia ao shopping os funcionários já sabiam e comentavam: “Olha lá, aquele é o jogador”.

Pão dividido, goteiras e pouco dinheiro para passagem

Renato é como um anjo da guarda na vida de Leo Pelé. Entrou em ação não só quando ele sofreu com o preconceito como em outras dificuldades. E não foram poucas.

Moradores do bairro Tomazinho, em São João de Meriti, Regina e José Carlos nem sempre tinham dinheiro para a condução do filho até Xerém, onde começou a treinar aos 14 anos. Era aí que o irmão mais velho (hoje com 32 anos) entrava em ação.

— Ele tem um salão de cabeleireiro. E os primeiros R$ 30 que ele ganhava já me dava e dizia que era para a passagem, para poder treinar. Aquele cara é fantástico. Onde for, vou levá-lo comigo — recorda Leo, que só confia seu cabelo (e todo o visual) ao irmão.

Leo (bermuda azul) e os irmãos. Entre eles, Ricardo (bermuda cinza)
Leo (bermuda azul) e os irmãos. Entre eles, Ricardo (bermuda cinza) Foto: Arquivo pessoal

As dificuldades de uma vida pobre, Leo e os irmãos (sete, ao todo) tiram de letra desde a infância. Desde o pão que deveria ser dividido entre todos (não havia dinheiro para cada um comer o seu) até as goteiras que tomavam conta da casa de Tomazinho a cada chuva.

— Quando os irmãos começaram a trabalhar, ajudaram na reforma da casa. Mas foi só quando ele passou a ganhar dinheiro com o futebol que a gente conseguiu dar uma nova cara a ela mesmo — revela Renato: — Ele ajuda muita gente. Compra comida para quem precisa. Mas não gosta que contem.

Hoje, a casa cresceu e as goteiras já são passado. Uma transformação igual à da vida do novo xodó da torcida do Fluminense.

Leo e a mãe, Regina

 

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