Quem foi Virginia Hall, a espiã americana mais temida pela polícia secreta nazista

Virginia Hall recebe a Cruz de Serviço Distinto do chefe do Escritório de Serviços Estratégicos, general William Donovan, em 1945Em 1945, logo após o fim da guerra, Hall foi a única mulher com atuação civil a receber a Cruz de Serviço Distinto, condecoração pelo “heroísmo extraordinário” demonstrado contra o inimigo. Ela também recebeu condecorações militares dos governos francês e britânico

Quando a jovem americana Virginia Hall chegou à França, em 1941, com a missão de ajudar a organizar a resistência contra os nazistas, poucos acreditavam que seria bem-sucedida. Além de ser uma das poucas mulheres atuando como espiãs em território inimigo, ela usava uma prótese de madeira na perna e caminhava mancando, o que chamava atenção e representava um risco em uma região tomada por agentes alemães.

Mas Hall desafiou as expectativas e, durante anos – primeiramente a serviço do governo britânico e, depois, dos Estados Unidos – organizou, apoiou e comandou unidades de resistência, ajudou a libertar prisioneiros e ficou conhecida como uma das mais eficazes e audaciosas agentes secretas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).

A Gestapo (a polícia secreta nazista) se referia a Hall como “a dama que manca” e, em uma das ordens dadas para sua captura, classificou a americana como “a mais perigosa entre os espiões dos Aliados”. Mas os nazistas nunca conseguiram capturá-la.

Apesar de seus feitos durante a guerra, a história de Hall permaneceu relativamente desconhecida fora da comunidade de inteligência. “Com a divulgação de arquivos britânicos e americanos da Segunda Guerra Mundial nos anos 1980 e 1990, historiadores começaram a lançar luz sobre sua extraordinária história”, diz a CIA em uma página sobre a espiã em seu site.

Agora, a trajetória de Hall começa a conquistar um público ainda maior. Somente neste ano, foram lançados três livros sobre a espiã – outros dois já haviam sido publicados em anos anteriores. O mais recente, uma biografia escrita pela jornalista Sonia Purnell e intitulada A Woman of No Importance (Uma Mulher sem Importância), deve virar filme estrelado por Daisy Ridley, de Star Wars.

Sonho frustrado

Nascida em 1906 em uma família rica de Baltimore, no Estado de Maryland, Hall era fluente em inglês, francês, italiano e alemão e sonhava com a carreira diplomática.

Aos 20 anos de idade, chegou à Europa para completar seus estudos. Em busca de experiência que pudesse ajudá-la na tão desejada profissão, ela conseguiu um emprego de auxiliar na embaixada dos Estados Unidos em Varsóvia, na Polônia.

Durante os anos seguintes, suas várias tentativas de conseguir uma promoção e ingressar na diplomacia foram frustradas.

O sonho foi definitivamente encerrado em 1933, quando, aos 27 anos, sofreu um acidente enquanto caçava na Turquia e teve a perna esquerda amputada abaixo do joelho. Desde então, Hall passou a usar uma prótese de madeira, que apelidou de “Cuthbert”.

Quando se candidatou novamente a uma vaga de diplomata, foi informada de que as regras do Departamento de Estado americano não permitiam que fosse contratada para a função, por causa da perna amputada.

Virginia HallA Gestapo se referia a Hall como “a dama que manca” e classificou a americana como “a mais perigosa entre os espiões dos Aliados”

Início da guerra

Hall passou por embaixadas e consulados americanos em outras cidades europeias, como Veneza, na Itália, e Tallinn, na Estônia. Quando a guerra começou, ela estava na França e se ofereceu como voluntária para dirigir ambulâncias para as forças armadas francesas no front.

Com a capitulação da França, em 1940, Hall decidiu ir para Londres. Lá, foi recrutada pela recém-criada Executiva de Operações Especiais (Special Operations Executive, ou SOE, na sigla em inglês), a ultrassecreta organização de espionagem do governo britânico durante a Segunda Guerra Mundial.

A SOE era proibida de enviar mulheres ao território inimigo. Mas, como ressalta a autora Sonia Purnell em artigo publicado na revista Time, a organização enfrentava dificuldade em recrutar agentes dispostos a arriscar a vida em um ambiente em que as chances de sobrevivência eram calculadas em 50%.

“Depois de seis meses de tentativas, eles tinham fracassado em infiltrar um único agente na França”, afirma Purnell.

Assim, em 1941, depois de receber treinamento em armas, comunicações, segurança e atividades de resistência, Hall chegou à França de Vichy (então zona livre, sem ocupação nazista, e liderada por um regime colaboracionista) se passando por repórter do jornal americano New York Post.

Missão

Hall se estabeleceu em Lyon. Sua missão era organizar redes locais de resistência contra a ocupação nazista e repassar informações sobre o regime de Vichy e o movimento de resistência.

O talento e a coragem de Hall logo ficaram claros não apenas para os demais agentes, mas também para os inimigos.

“Durante os anos seguintes, ela se tornaria legendária por seus feitos, primeiro com a SOE e depois com o OSS (o Escritório de Serviços Estratégicos, serviço de inteligência dos Estados Unidos durante a guerra e precursor da CIA)”, diz a biografia de Hall no site da CIA.

“Ela organizou redes de agentes, ajudou prisioneiros de guerra fugitivos e recrutou homens e mulheres franceses para operar abrigos secretos – sempre um passo à frente da Gestapo, que queria desesperadamente capturar ‘a dama que manca’.”

O temido chefe da Gestapo na região, Klaus Barbie, conhecido como “o carniceiro de Lyon”, estava disposto a capturá-la. Sua imagem foi estampada em cartazes de procurados.

Klaus Barbie sendo julgado por seus crimesKlaus Barbie, o ‘açougueiro de Lyon’, era um temido chefe da Gestapo e estava disposto a capturar Virginia Hall

Travessia dos Pirineus

Em novembro de 1942, com o avanço das forças alemãs na zona livre da França, Hall decidiu que precisava fugir. Ela então partiu em uma jornada a pé atravessando os montes Pirineus em meio à neve e arrastando sua prótese de madeira, que pesava mais de 3kg.

Ao chegar à Espanha, Hall foi presa por ter cruzado a fronteira ilegalmente, sendo libertada alguns dias depois.

Hall estava decidida a voltar para a França. A SOE recusou, diante do alto risco, já que ela era procurada pelos alemães. Mas os americanos concordaram, e em 1944 ela retornou ao país, então totalmente ocupado pelos nazistas, enviada pela OSS, a agência precursora da CIA.

Disfarçada de agricultora idosa e com o codinome de Diane, ela tinha a missão de ajudar os aliados a se prepararem para o Dia D.

“Ela ajudou a treinar três batalhões de forças de resistência para lançar uma guerrilha contra forças alemãs”, diz a CIA.

Em 1945, logo após o fim da guerra, Hall foi a única mulher com atuação civil a receber a Cruz de Serviço Distinto, condecoração pelo “heroísmo extraordinário” demonstrado contra o inimigo. Ela também recebeu condecorações militares dos governos francês e britânico.

Depois da guerra, Hall passou a trabalhar na CIA, onde permaneceu até se aposentar, em 1966, ao 60 anos. Purnell relata que, apesar do sucesso de sua atuação na França, Hall enfrentou dificuldades em sua carreira e teve de continuar lutando contra o preconceito contra mulheres na profissão. Ela morreu em 1982.

A trajetória de Hall é relatada em parte de uma exposição no Museu da CIA. Recentemente, um centro de treinamento da agência foi batizado com seu nome.

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