O fato de associarmos o termo “espartano” a alguém que seja austero, sóbrio, firme, severo, sem frescuras não vem do acaso. Vem da história.
Esses adjetivos estão relacionados a uma espécie de modelo ideal dos antigos espartanos, os habitantes de Esparta, no sul da Grécia Antiga, na península do Peloponeso.
Eles eram guerreiros por excelência, criados desde a infância para suportar terríveis sofrimentos e dificuldades.
A personalidade espartana é perfeitamente resumida nos contos sobre a Batalha das Termópilas, em 480 a.C.
Diante da marcha dos persas com o objetivo de invadir a Grécia, o rei de Esparta Leônidas colocou 300 espartanos para enfrentar a ofensiva na estreita passagem das Termópilas. Leônidas morreu depois que os arqueiros persas cumpriram a ordem de “escurecer o céu com flechas”.
Embora não tenham conseguido deter os persas, os espartanos lutaram bravamente e deram suas vidas atrasando o progresso dos inimigos por uma semana inteira — ganhando assim um tempo precioso para seus companheiros gregos.
Disciplina e frases marcantes
Essa batalha representa muito do que é admirado nos espartanos: sua lealdade a uma causa maior que eles mesmos; sua devoção à liberdade e à preservação de sua terra natal.
E eles faziam isso exibindo um tipo de humor sombrio — familiar para nós hoje quando os heróis dos filmes, em momentos de ameaça, lançam frases icônicas como “Hasta la vista, baby” em O Exterminador do Futuro 2.
Quando os persas exigiram que os espartanos deixassem suas armas, por exemplo, a famosa resposta de Leônidas foi: “Μολων λαβε” ou, em português, “Venha pegá-las!”.
E quando as flechas mortais dos arqueiros persas cobriram a luz do Sol, Leônidas brincou dizendo: “Excelente, agora lutaremos na sombra!”.
Também é admirável a persistência dos espartanos a fim de ter uma forma física robusta, dureza e resistência.
Atualmente, esse povo dá nome a um tipo particularmente duro de pista de obstáculos, que desafia as pessoas a alcançarem seu melhor desempenho atlético e físico.
Além disso, diferentemente de outras partes da Grécia, há relatos de que as mulheres espartanas recebiam educação e se exercitavam, sendo também duronas e fortes.
Como os valores espartanos seriam encarados na contemporaneidade?
É preciso, porém, considerar alguns aspectos antes de aceitarmos os espartanos como um ícone perfeito de nossos valores modernos.
Por exemplo, eles podem ser apropriados por extremistas.
Na Alemanha da década de 1930, os espartanos foram uma inspiração militar e estética. Eles chegaram também a ser uma referência para o que seria a ancestralidade mestra da raça ariana, essencialmente legitimando o antissemitismo e outras formas de xenofobia.
Outra questão é se hoje realmente queremos reviver o modelo espartano de masculinidade.
A emoção era reprovada; o indivíduo não era nada, o Estado era tudo.
À medida que percebemos hoje a importância de as pessoas se expressarem, em vez de reprimir suas emoções, talvez o ideal espartano de masculinidade comece a se distanciar de algo que queremos.
Não é por acaso que os espartanos inspiraram o sistema de educação pública britânica dos séculos 19 e 20, em que os ideais de disciplina, resistência e austeridade eram primordiais.
Até a dureza das mulheres espartanas é suspeita.
Fontes antigas nos dizem que seus corpos eram treinados não para seu benefício individual, mas sob o ideal da gestação de crianças fortes. E, quando estas cresciam, as mães precisavam ver com resignação seus filhos morrerem em batalhas.
Segundo registros do autor Plutarco, as espartanas diziam a seus maridos na véspera da guerra: “Volte com seu escudo ou em seu escudo.”
A ideia por trás disso é a de que os espartanos mortos eram levados para casa sobre seus escudos; apenas um covarde largaria essa proteção e fugiria.
Evocar Esparta hoje é frequentemente uma maneira de tentar recuperar valores que para alguns estão perdidos ou prestes a desaparecer, como os de resiliência e abnegação.
No entanto, historiadores há muito desafiam a veracidade do antigo estereótipo dos espartanos.
Por décadas, esses pesquisadores vêm tentando apresentar outra versão de Esparta, com uma cultura mais rica, por exemplo – com arte, música e preceitos muito mais complexos do que o que tradicionalmente lhes foi atribuído.
No entanto, não há sinais de que estamos verdadeiramente abrindo mão do modelo ideal espartano. Somos apegados demais a este estereótipo para cedermos em favor de uma realidade mais matizada.
*A autora do texto é Emma Aston, especialista em estudos clássicos e catedrática da Universidade de Reading, no Reino Unido.