A esquerda de que o país precisa
Paulo Rubem Santiago*
Os partidos políticos no Brasil e no mundo passam por longo processo de abandono de ideias e perda de legitimidade. Em especial, aqueles de esquerda. Vencido o regime militar em nosso país, retomamos o calendário eleitoral e chegamos à eleição de Lula para a Presidência da República. Desde então, as esquerdas se esmeram, com algumas exceções, em defender o legado social do período Lula-Dilma, destacando a redução da pobreza, a ampliação da classe média e do consumo nas classes populares. Não discutem publicamente a gravíssima crise deflagrada a partir de 2008 mundo afora, com a derrocada dos negócios financeiros lastreados em hipotecas habitacionais nos Estados Unidos e seus reflexos nas demais economias e orçamentos nacionais, em especial na Europa e América Latina. Nada disso serviu para revitalizar nas esquerdas a análise crítica dos novos padrões de acumulação do capital, iniciados nos anos de 1970 e hoje amplamente consolidados na livre circulação de capitais, na desregulamentação, no enfraquecimento dos estados nacionais não centrais, na nova divisão internacional do trabalho, nas transações com câmbio, papéis públicos e bolsas de valores.
Reféns do conservadorismo político exercido em nome da governabilidade, os partidos de esquerda renovam velhas oligarquias a favor dos governos de coalização que integram e são poucos aqueles partidos que, nessas situações, praticam rupturas reestruturadoras em seus países. No Brasil, avançamos pouco nessa direção. Não se fez reforma tributária, reforma política de fato, reforma agrária, não se democratizou a comunicação, não foram aprovadas as leis para a regulamentação do sistema financeiro, bem como não se inseriu o Estado numa agenda nacional efetiva, sistêmica, de combate à corrupção.
O planejamento do desenvolvimento cedeu às políticas de curto prazo. Enquanto o governo de Rafael Correa fez no Equador a auditoria da dívida pública reduzindo-a em 35%, os governos brasileiros simplesmente abandonaram a Norma Constitucional de 1988 que determinava o mesmo. Seguiram servis à voracidade dos investidores e das políticas monetárias ditatoriais. O medo da inflação levou os mandatos de FHC, Lula e Dilma, a caminharem na mesma trilha, com juros altíssimos, com diferenças pequenas de intensidade aqui e acolá, como bem registrou o Engenheiro Amir Khair em dois artigos publicados recentemente na Agência Carta Maior (www.cartamaior.com.br).
Abandonando as reformas urgentes, setores da esquerda governista permanecem encastelados em ministérios e empresas públicas, abdicando do dever de pensar o país a médio e longo prazo, confundindo-se com a velha direita. Há os que apelam para tudo resolver com “choque de gestão”. Sacrifica-se o projeto de Nação, a capacidade de investimento do Estado que, impedido por isso de investir no futuro, entrega ao capital privado a infraestrutura do país, com privatizações maquiadas de concessões ou parcerias público privadas, onde alguns poucos grupos são sempre beneficiados, com novos encargos tarifários à sociedade.
Capitula-se à supremacia dos gastos com juros e amortizações da dívida nas contas nacionais, sangradas pelos ganhos financeiros de uma minoria, bem entrincheirada na mídia e junto às autoridades econômicas. Com isso, a política monetária linha dura atrai capitais especulativos. O câmbio é valorizado. A produção industrial cai no Produto Interno Bruto – PIB. O mercado é inundado por importações enquanto seguimos exportando comoditties e produtos básicos.
Olhemos para a Nação, para alguns estados e veremos situações de autêntica calamidade pública, urbana e rural, inércia econômica, ética e social. O país patina em educação, ciência e inovação. Não cresce, não se desenvolve, não se desconcentra regionalmente. Norte e Nordeste arrastam-se com atrasadíssimos indicadores e a violência crescente vitima assustadoramente jovens e adolescentes, em especial negros e pobres. O futuro exige rupturas, nas ruas, com uma nova esquerda capaz de construir um programa de emancipação com soberania nos campos da economia, do investimento, do conhecimento, da democracia política real, da justiça fiscal, do combate à sonegação e à corrupção. Esse é o caminho.
*Paulo Rubem é deputado Federal (PDT)