8 perguntas para entender o conflito entre israelenses e palestinos que já dura sete décadas

Soldado
O conflito entre israelenses e palestinos é um dos mais longos e sangrentos do Oriente Médio

Por: Redação

O conflito entre palestinos e israelenses, que se estende por pelo menos sete décadas, atingiu uma tensão sem precedentes nos últimos anos.

O mais recente capítulo desta tensão começou em 7 de outubro, quando militantes do Hamas lançaram mísseis e invadiram Israel.

As forças militares israelenses contra-atacaram e fizeram operações na Faixa de Gaza.

Até o momento, foram registrados mais de 1,2 mil mortos em Israel e em Gaza.

Além disso, mais de uma centena de civis e militares israelenses são mantidos como reféns por integrantes do Hamas.

Essa é a mais recente escalada de um confronto longo e sangrento, sem resolução próxima, que tem marcado o Oriente Médio há décadas.

 

A seguir, a BBC News Brasil explica, em oito pontos, como começou esse conflito que se prolonga por mais de sete décadas.

1. Como começou o conflito?

Fumaça no céu em Gaza
Soldados israelenses e forças palestinas entraram em confronto em Gaza num dos episódios mais violentos dos últimos anos.

Influenciado pelo antissemitismo sofrido pelos judeus na Europa, no início do século 20 o movimento sionista ganhou força, buscando estabelecer um Estado para os judeus.

A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e católicos, pertencia naqueles anos ao Império Otomano e era ocupada principalmente por árabes e outras comunidades muçulmanas. Mas a forte imigração judaica, encorajada pelas aspirações sionistas, começava a gerar resistência.

Após a desintegração do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações para administrar o território da Palestina.

Mas, antes e durante a guerra, os britânicos fizeram várias promessas aos árabes e judeus que mais tarde não foram cumpridas — porque o Reino Unido já tinha dividido o Médio Oriente com a França, entre outras razões.

Isto causou um clima de tensão entre nacionalistas árabes e sionistas que levou a confrontos entre paramilitares judeus e grupos árabes.

Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, a pressão para estabelecer um Estado judeu aumentou. O plano original contemplava a divisão do território controlado pela potência europeia entre judeus e palestinos.

Após a queda do Império Otomano, o Reino Unido assumiu a administração do território da Palestina.
Após a queda do Império Otomano, o Reino Unido assumiu a administração do território da Palestina

Após a fundação de Israel em 14 de maio de 1948, a tensão deixou de ser uma questão local para se tornar uma questão regional.

No dia seguinte, o Egito, a Jordânia, a Síria e o Iraque invadiram o território recém-criado. Foi a primeira guerra árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como guerra de independência ou de libertação.

Após o conflito, o território inicialmente planejado pelas Nações Unidas para estabelecer um Estado Árabe foi reduzido pela metade.

Para os palestinos, começou a Nakba, a chamada “destruição” ou “catástrofe”: o início da tragédia nacional. Cerca de 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses.

Em 1956, uma crise no Canal de Suez confrontaria o Estado de Israel com o Egito. O problema não foi resolvido no campo de batalha, mas pela pressão internacional sobre Israel, França e Inglaterra.

A luta teria uma conclusão em 1967, na Guerra dos Seis Dias. O que aconteceu entre 5 e 10 de Junho teve consequências profundas e duradouras.

Foi uma vitória esmagadora de Israel contra uma coligação árabe.

Israel capturou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai do Egipto, a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) da Jordânia e as Colinas de Golã da Síria. Meio milhão de palestinos viraram refugiados.

O último conflito árabe-israelense foi a Guerra do Yom Kippur, em 1973, que colocou o Egito e a Síria contra Israel e permitiu ao Cairo recuperar o Sinai (entregue completamente por Israel em 1982). Gaza, porém, seguiu sob controle israelense

Seis anos depois, o Egito tornou-se o primeiro país árabe a assinar a paz com Israel, exemplo seguido apenas pela Jordânia anos depois.

 

O Estado de Israel foi oficialmente estabelecido em 14 de maio de 1948.
O Estado de Israel foi oficialmente estabelecido em 14 de maio de 1948

 

2. Por que o Estado de Israel foi criado no Oriente Médio?

A tradição judaica indica que a área em que o Estado de Israel está localizado é a Terra Prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e aos seus descendentes.

A área foi invadida na Antiguidade por assírios, babilônios, persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que deu nome à região como Palestina e que, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus após combater os movimentos nacionalistas que buscavam a independência.

Com a ascensão do Islã, no século 7 d.C., a Palestina foi ocupada pelos árabes e depois conquistada pelos cruzados europeus. Em 1516, foi estabelecida a dominação turca que duraria até a Primeira Guerra Mundial, quando foi imposto o controle britânico.

O Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP) declarou em seu relatório à Assembleia Geral, em 3 de setembro de 1947, que as razões para o estabelecimento de um estado judeu no Oriente Médio centravam-se em “argumentos baseados em fontes bíblicas e históricas”, na Declaração de Balfour de 1917, na qual o governo britânico se declarou a favor de uma “nação” para os judeus na Palestina, e no mandato britânico sobre a Palestina.

Ali foram reconhecidas a ligação histórica do povo judeu com a Palestina e as bases para a reconstituição do “Lar Nacional Judaico” naquela região.

Com o Holocausto contra milhões de judeus na Europa antes e durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para o reconhecimento de um Estado nacional judeu.

Incapaz de resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão às Nações Unidas.

Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano para a divisão da Palestina, que recomendava a criação de um estado árabe independente, de um estado judeu e de um regime especial para a cidade de Jerusalém.

O plano foi aceito pelos israelenses, mas não pelos árabes, que o consideraram uma perda de territórios. É por isso que ele nunca foi implementado.

Um dia antes de expirar o mandato britânico da Palestina, em 14 de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel, representante dos Judeus durante o mandato, declarou a independência do Estado de Israel.

No dia seguinte, Israel solicitou a adesão às Nações Unidas, status que finalmente alcançou um ano depois.

 

O primeiro primeiro-ministro israelense, David Ben-Gurion, na proclamação oficial do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, em Tel Aviv
O primeiro-ministro israelense, David Ben-Gurion, na proclamação oficial do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, em Tel Aviv

3. Por que existem dois territórios palestinos?

Em seu relatório à Assembleia Geral em 1947, o Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP), recomendou que o Estado Árabe incluísse “a Galiléia Ocidental, a região montanhosa de Samaria e Judéia, com exclusão da cidade de Jerusalém, e a planície costeira de Ishdud até a fronteira egípcia.”

Mas a divisão do território foi definida pela Linha do Armistício de 1949, estabelecida após a criação de Israel e da primeira guerra árabe-israelense.

Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (que inclui Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza, que estão separados por cerca de 45 km. Eles possuem áreas de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente (veja no mapa a seguir).

Territórios palestinos

A Cisjordânia fica entre Jerusalém, reivindicada como capital tanto por palestinos como por israelenses, e a Jordânia, a leste, enquanto Gaza é uma faixa de 41 km de comprimento e entre 6 e 12 km de largura.

Gaza tem uma fronteira de 51 km com Israel, 7 km com o Egito e 40 km de costa no Mar Mediterrâneo.

Originalmente ocupada por israelenses que ainda mantêm o controle da fronteira sul, a Faixa de Gaza foi capturada por Israel na guerra de 1967 e só desocupada em 2005, embora mantenha até hoje um bloqueio aéreo, marítimo e terrestre que restringe a circulação de mercadorias, serviços e pessoas.

A Faixa de Gaza é atualmente controlada pelo Hamas, o principal grupo islâmico palestino, que nunca reconheceu acordos assinados entre outras facções palestinas e Israel.

A Cisjordânia, pelo contrário, é governada pela Autoridade Nacional Palestina, o governo reconhecido internacionalmente, cuja principal facção, a Fatah, não é islâmica, mas, sim, secular.

4. Os palestinos e os israelenses nunca assinaram a paz?

Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento de milhares de pessoas que perderam as próprias casas, o movimento nacionalista palestino começou a reagrupar-se na Cisjordânia e em Gaza, controladas respectivamente por Jordânia e Egito, e em campos de refugiados criados em outros Estados árabes.

Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas como a Fatah — liderada por Yasser Arafat — formaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e lançaram operações contra Israel, primeiro a partir da Jordânia e depois do Líbano.

Mas estes ataques também incluíram alvos israelenses em território europeu, como aviões, embaixadas ou atletas.

Os Acordos de Oslo, assinados em 1993, foram o primeiro tratado de paz entre Israel e os palestinos
Os Acordos de Oslo, assinados em 1993, foram o primeiro tratado de paz entre Israel e os palestinos

Depois de anos de ataques palestinos e assassinatos seletivos pelas forças de segurança israelenses, a OLP e Israel assinaram os acordos de paz de Oslo em 1993, nos quais a organização palestina renunciava à “violência e ao terrorismo” e reconhecia a “lei” de Israel “para existir em paz e segurança”.

A organização islâmica palestina Hamas nunca aceitou esse reconhecimento.

Na sequência dos acordos assinados em Oslo, foi criada a Autoridade Nacional Palestina, que representa os palestinos nos fóruns internacionais.

O presidente da autoridade é eleito por voto direto e ele, por sua vez, escolhe um primeiro-ministro e os membros do gabinete. As autoridades civis e de segurança controlam as áreas urbanas (Área A de acordo com Oslo), enquanto apenas os representantes civis – e não de segurança – controlam as áreas rurais (Área B).

Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica dos palestinos, não está incluída neste acordo.

Jerusalém é um dos pontos mais conflituosos entre as partes envolvidas.

5. Quais são os principais pontos de conflito entre palestinos e israelenses?

O atraso no estabelecimento de um Estado Palestino independente, a construção de colônias israelenses na Cisjordânia e a barreira de segurança em torno desse território — condenada pelo Tribunal Internacional de Justiça em Haia — complicaram o processo de paz.

Jerusalém sempre foi um dos principais pontos de discórdia, uma fonte permanente de surtos de violência.
Jerusalém sempre foi um dos principais pontos de discórdia e uma fonte permanente de surtos de violência entre israelenses e palestinos

Mas estes não são os únicos obstáculos, como ficou claro pelo fracasso das últimas negociações de paz entre os dois grupos em Camp David, nos Estados Unidos, em 2000.

À época, o então presidente americano Bill Clinton não conseguiu estabelecer um acordo entre Arafat e o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak.

As diferenças que parecem inconciliáveis ​​são:

Jerusalém: Israel reivindica a soberania sobre a cidade (sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que é a sua capital depois de tomar a parte oriental em 1967. Isto não é reconhecido internacionalmente. Os palestinos querem que Jerusalém Oriental seja a capital deles.

Fronteiras e terreno: os palestinos exigem que o futuro Estado esteja em conformidade com as fronteiras anteriores a 4 de Junho de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias. Israel rejeita a proposta.

Assentamentos: as colônias, ilegais de acordo com o Direito Internacional, foram construídas pelo governo israelense nos territórios ocupados por Israel após a guerra de 1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, há mais de meio milhão de colonos judeus.

Refugiados palestinos: quantos refugiados existem depende de quem está fazendo essa conta. A OLP diz que há 10,6 milhões, dos quais quase metade estão registrados nas Nações Unidas. Os palestinos sustentam que os refugiados têm o direito de regressar ao que hoje é considerado como território de Israel. Israel, na contramão, diz que abrir as portas destruiria a identidade do Estado judeu.

6. A Palestina é um país?

As Nações Unidas reconheceram a Palestina como um “Estado observador não membro” no final de 2012. Com isso, ela deixou de ser uma “entidade observadora”.

A mudança permitiu que os palestinos participassem dos debates da Assembleia Geral e aumentassem as possibilidades de adesão às agências da ONU e a outros órgãos.

Mas a votação não criou o Estado palestino de fato. Um ano antes, os palestinos tentaram, mas não obtiveram apoio suficiente no Conselho de Segurança.

Mais de 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU (138 de 193) reconhecem a Palestina como um Estado.

7. Por que os EUA são o principal aliado de Israel? Quem apoia os palestinos?

Em primeiro lugar, é preciso considerar a existência de um lobby pró-Israel significativo e poderoso nos Estados Unidos. Isso leva ao fato de a opinião pública ser geralmente favorável à posição israelense. Com isso, é virtualmente impossível que um presidente americano retire o apoio a Israel.

Além disso, ambas as nações são aliadas no campo militar: Israel é um dos maiores beneficiários da ajuda americana e a maior parte dela vem na forma de subsídios para a compra de armas.

Contudo, em Dezembro de 2016, durante o governo do presidente Barack Obama, foi dado um passo atípico na política dos EUA em relação a Israel: o país não vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenava a política de colônias israelenses.

Com Trump, Netanyahu tinha um forte aliado na Casa Branca.
Com Trump, Netanyahu tinha um forte aliado na Casa Branca

Mas a chegada de Donald Trump à Casa Branca deu um novo impulso à relação entre os Estados Unidos e Israel, que se refletiu na transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém.

Com isso, os Estados Unidos foram o primeiro país do mundo a reconhecer aquela cidade como a capital de Israel.

Nos últimos meses de presidência, Trump conseguiu que quatro países árabes ricos normalizassem as relações com Israel.

O atual presidente americano, Joe Biden, assumiu o poder com a intenção de fugir do arriscado conflito Israel-Palestina, além de vê-lo como um problema que requer grande capital político.

A administração Biden continua a apoiar o reconhecimento de Israel, mas adotou uma diplomacia mais cautelosa.

Os palestinos não têm o apoio aberto de nenhuma potência.

Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas após a deposição da Irmandade Muçulmana — historicamente associada ao grupo palestino.

A Síria, o Irã e o grupo libanês Hezbollah são os principais apoiadores da Palestina.

A causa palestina tem muitos simpatizantes ao redor do mundo, mas até o momento isso não se traduziu em avanços concretos.

8. O que precisa acontecer para uma paz duradoura entre Israel e Palestina?

Por um lado, os israelenses precisariam apoiar um Estado soberano para os palestinos que incluísse o Hamas, acabando com o bloqueio em Gaza e as restrições de movimento na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Por outro, os grupos palestinos deveriam renunciar à violência e reconhecer o Estado de Israel.

Outro ponto de acordo razoável precisaria envolver as fronteiras, as colônias israelenses e a volta de refugiados palestinos.

Porém, desde 1948 (o ano da criação do Estado de Israel,) muitas coisas mudaram, principalmente a configuração dos territórios disputados após as guerras entre árabes e israelenses.

Para Israel, estes são fatos consumados. O palestinos não concordam e insistem que as fronteiras devem ser as que existiam antes da guerra de 1967.

Além disso, enquanto no campo de batalha as coisas ficam cada vez mais incontroláveis ​​na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa na Cisjordânia com a construção contínua de colônias israelenses, o que reduz o território palestino nas áreas autônomas.

Mas talvez a questão mais complicada devido ao simbolismo seja Jerusalém, a capital de palestinos e israelenses.

Tanto a Autoridade Nacional Palestina, que governa a Cisjordânia, como o grupo Hamas, em Gaza, reivindicam a parte oriental como a capital, apesar de Israel a ter ocupado em 1967.

Um acordo definitivo nunca será possível sem resolver este ponto sensível.

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