A primeira resistência

Carlos Chagas

O Congresso estava fechado desde 13 de dezembro de 1968, data da edição do Ato Institucional número 5. Foi reaberto a 16 de outubro de 1969, apenas para que deputados e senadores  pudessem eleger o general Garrastazu Médici presidente da República. O próprio  respondeu, quando alguns mais radicais do que ele ponderaram sobre os riscos que a ditadura sofreria com Câmara e Senado funcionando: “não tem problema. Se precisar nós fechamos logo em seguida.”

Felizmente não fecharam, apesar de todos os supostos adversários do regime terem sido cassados pouco antes.

Assim, a 5 de novembro daquele ano coube ao deputado Pedroso Horta subir à tribuna para lançar a primeira farpa da temporada no governo militar. Pediu licença para  ler o conteúdo de carta enviada ao ministro da Fazenda,  na véspera,  pelo  ex-vice-presidente Pedro Aleixo, então esbulhado do direito de assumir por conta da doença do presidente Costa e Silva.

Vale reproduzir o texto, uma demonstração a mais da existência de diversas formas para  se resistir à violência:

“Brasília, 4 de novembro de 1969. Senhor ministro Delfim Netto: Acabo de verificar que na minha conta no Banco do Brasil, agência Parlamento, me foi creditada a importância de dois mil duzentos e quatorze cruzeiros novos e noventa centavos, correspondente ao subsídio de vice-presidente da República durante o mês de outubro de 1969.

Nos termos do Ato Institucional número 12, publicado no Diário Oficial de 1 de setembro de 1969, em virtude do qual os ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica se atribuíram as funções exercidas pelo presidente da República, marechal Arthur da Costa e Silva, foi expedido o Ato Institucional que declarou vago o cargo de vice-presidente da República, cujo  exercício me cabia segundo a legislação constitucional então vigente.

Com o  respeito devido à situação de fato criada, não posso receber subsídio relativo ao período de vacância correspondente ao mês de outubro.

Por esta razão, remeto a v.excia o  cheque número 666.400, a cargo do Banco do Brasil, no valor de um mil cento e sete cruzeiros novos e cinco centavos, cuja importância deverá ser  recolhida convenientemente ao Tesouro Nacional.

Aproveito o ensejo para registrar que já fiz oportunamente comunicado que, da dotação de cem mil cruzeiros novos, constante do orçamento em vigor e destinada a despesas de manutenção do gabinete da vice-presidência da República, havia, na data  do Ato Institucional que declarou a vacância do cargo de vice-presidente da República, um saldo superior a duas terças partes da importância dotada,  isto é, que decorridos cerca de dez meses do exercício financeiro, verificava-se a existência de um saldo no montante de sessenta e sete mil trezentos e quarenta e um cruzeiros novos e oitenta e três centavos.

                                                        Com o devido apreço. Pedro Aleixo.”

Foi o primeiro de muitos gestos de repúdio à usurpação continuada do poder e do governo. Até a doença que afastou Costa e Silva,  o presidente e o vice-presidente da República vinham trabalhando no texto de emenda constitucional que revogaria o AI-5 e reabriria o Congresso. Quando faltava uma semana para a reconstitucionalização do país, o velho marechal viu-se acometido de um derrame cerebral. Estava disposto, como disse, a não passar à História como um presidente que golpeou as instituições. Logo depois, os três ministros militares  usurparam a presidência da República, depuseram o presidente e até prenderam o vice-presidente.   Desarmado, sem condições de reagir militarmente, ele encetou nova trajetória de resistência, começando pela devolução de quantias indevidas.

Já não se fazem políticos como Pedro Aleixo…

Texto extraído do Tribuna da Imprensa

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