Amarrem o homem

“Com uma retórica agressiva e cheio de inverdades e distorções, o discurso de Bolsonaro frustrou a expectativa de quem esperava uma fala que tentasse melhorar a imagem do país no exterior”, aponta a agência de notícias internacional

(Foto: Alan Santos/PR)

 

BRASÍLIA (Reuters) – Em seu terceiro discurso na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro levou ao principal palco mundial a defesa do chamado “tratamento precoce” contra Covid-19, criticou medidas sanitárias, afirmou que o Brasil esteve a beira do socialismo e desfiou distorções e inverdades em relação a seu governo.

“O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019. Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção. O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo. Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo”, começou Bolsonaro em uma fala que agrada a militância bolsonarista no Brasil, mas não melhora a imagem do país no exterior.

A imagem que seria mostrada por ele, disse o presidente, seria “diferente daquilo publicado nos jornais ou visto nas televisões”, com a “credibilidade recuperada”. A CPI da Covid, que revela desorganização e corrupção na condução do combate à epidemia no país, e que pode indiciar o próprio presidente por prevaricação, foi ignorada.

“Temos tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo”, afirmou.

De acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a queda de investimentos estrangeiros diretos em 2020 foi acima de 50%, e desde então o Brasil não conseguiu se recuperar na mesma velocidade.

Atendendo aos desejos da diplomacia brasileira, que pretendia ver Bolsonaro defender as ações ambientais no país –hoje um dos principais problemas para que se venda o Brasil ao mundo–, Bolsonaro afirmou que o país produz mantendo 84% da floresta amazônica em pé, declarou que dobrou o investimento em ações de controle do desmatamento e comemorou uma queda de 32% do desmatamento na região em agosto.

“Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional. Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa. Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países”, afirmou

Nos meses anteriores, no entanto, a região teve aumentos consecutivos nos índices de desmatamento e no acumulado anual –entre agosto de 2020 e julho de 2021, 8,7 mil km² de mata nativa foram retirados da Amazônia. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais não são definitivos, mas apontavam uma queda de pouco mais de 5% em relação a 2019, quando o país teve o maior índice em uma década.

TRATAMENTO PRECOCE

Bolsonaro também não se furtou de levar à plateia mundial sua defesa do chamado “tratamento precoce” –o uso de medicamentos que não tiveram sua eficácia comprovada contra o coronavírus–, suas críticas a medidas de distanciamento social e mesmo os mais recentes passaportes sanitários, usados no mundo todo para tentar controlar a pandemia de Covid-19.

Em termos absolutos, o Brasil é o segundo país com maior número de óbitos pela doença, atrás somente dos Estados Unidos, e o terceiro em contagem de casos, abaixo de EUA e Índia.

“Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada à vacina. Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”, afirmou, repetindo que ele mesmo fez esse tratamento.

Bolsonaro é o único presidente entre os líderes do G20, das maiores economias do mundo, a ter recusado a vacina até agora.

“Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos”, disse.

Ficou de fora do discurso a suposta disposição de doar vacinas a países mais pobres, como o Haiti, que auxiliares de Bolsonaro tentaram injetar no pronunciamento, em uma tentativa de melhorar a imagem do país no exterior.

O presidente encerrou seu discurso com mais uma inverdade, ao citar as manifestações do dia 7 de Setembro.

“No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo.”

Apesar de terem reunido milhares de pessoas em São Paulo e em Brasília, as manifestações ficaram distantes das realizadas na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e mais ainda da campanha das Diretas Já, para ficar só em dois exemplos.

Com uma retórica agressiva e cheio de inverdades e distorções, o discurso de Bolsonaro frustrou a expectativa de quem esperava uma fala que tentasse melhorar a imagem do país no exterior. Mesmo na ONU, o presidente continuou falando apenas para seus apoiadores.

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