Ataque a jornalista gera onda de condenações

Foto/Via Cartacapital

Por Deutsche Welle

Entidades, jornalistas e parlamentares repudiam acusações contra Patrícia Campos Mello durante CPMI no Congresso. Abraji condena ofensas “misóginas”, e Rodrigo Maia diz que “difamação e sexismo têm de ser punidos”. Entidades de imprensa, jornalistas e políticos repudiaram ontem as acusações feitas contra a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo, durante a comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das fake news no Congresso.

Em depoimento prestado aos parlamentares da comissão na terça-feira, Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, proferiu insultos contra a jornalista e fez uma série de declarações logo desmentidas pela Folha.

Nesta terça-feira, em depoimento à CPMI das fake news, que apura disseminação de notícias falsas durante a eleição, River afirmou, entre outras acusações, que Campos Mello teria se insinuado sexualmente para ele em troca de informações para a reportagem.

“Quando eu cheguei na Folha de S. Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?”, disse River a deputados e senadores.

O jornal afirma, porém, que Campos Mello nunca se insinuou ao entrevistado e, na verdade, foi ele quem a convidou para ir a um show, mas ela não respondeu à mensagem e não foi ao evento.

A declaração de River foi mais tarde reforçada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que aproveitou para disparar uma série de ataques contra a jornalista no plenário da Câmara e nas redes sociais.

“Eu fiquei aqui perplexo de ver, mas eu não duvido, que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”, disse o filho do presidente.

Em nota, a Folha de S. Paulo disse repudiar os ataques proferidos por River e por Eduardo e, em um artigo extenso publicado em seu site, rebateu cada uma das acusações contra seu jornalismo, bem como desmentiu algumas afirmações feitas pelo depoente durante a CPMI.

“O jornal está publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)”, escreveu o jornal.

“A ilação de que a jornalista teria sugerido a troca de matéria por sexo causa danos a ela, não apenas porque se trataria de um desvio de natureza ética da profissão como também por atingir sua condição feminina”, afirmou Taís Gasparian, advogada da Folha.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também se manifestou, chamando de “machistas e misóginas” as ofensas proferidas contra Campos Mello que, segundo a entidade, “é uma das mais respeitadas jornalistas do país”.

“A Abraji repudia a ação do deputado [Eduardo Bolsonaro], que repercutiu para milhões de seguidores alegações difamatórias. É assustador que um agente público use seu canal de comunicação para atacar jornalistas cujas reportagens trazem informações que o desagradam, sobretudo apelando ao machismo e à misoginia”, escreveu a associação.

“Além disso, esta é mais uma ocasião em que integrantes da família Bolsonaro, em lugar de oferecer explicações à sociedade, tentam desacreditar o trabalho da imprensa.”

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por sua vez, afirmou que “a grosseria de que foi alvo a jornalista Patrícia Campos Mello está relacionada com dois fenômenos: os contínuos ataques à imprensa e aos jornalistas em geral e a multiplicação de comportamentos cafajestes”. “Esses dois fenômenos têm sido estimulados por algumas das mais altas autoridades da República”, completou a entidade.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou “irrestrito apoio” a Campos Mello, “objeto de ataques e insinuações agressivas”. “O uso de difamação para afetar a imagem de uma profissional de comunicação que incomoda justamente por sua competência merece repúdio das instituições que prezam a liberdade de expressão e de informação.”

Políticos também se pronunciaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que falso testemunho, difamação e sexismo são atos passíveis de punição.

“Dar falso testemunho numa comissão do Congresso é crime. Atacar a imprensa com acusações falsas de caráter sexual é baixaria com características de difamação. Falso testemunho, difamação e sexismo têm de ser punidos no rigor da lei”, escreveu Maia no Twitter.

O senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do partido de Eduardo Bolsonaro no Senado, afirmou que River cometeu um crime e que a CPMI deveria ter decretado prisão em flagrante.

“Em uma comissão parlamentar de inquérito, e estando sob juramento, qualquer cidadão tem que dizer a verdade, sob pena de cometer crime. Acusações sobre a honra, a conduta profissional e moral da jornalista, ao meu ver, caracterizam crime”, declarou o parlamentar.

A relatora da CPMI das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), informou que acionará o Ministério Público para apurar se River prestou falso testemunho. “Tudo indica que houve um depoimento baseado em informações falsas, e isso é crime. E a CPMI deve ser a primeira a indicar esse crime”, afirmou a deputada, citada pela Folha.

Um grupo de centenas de jornalistas mulheres também saiu em defesa de Campos Mello, assinando um manifesto de repúdio aos ataques contra a repórter. “É inaceitável que essas mentiras ganhem espaço em uma comissão parlamentar de inquérito que tem justamente como escopo investigar o uso das redes sociais e dos serviços de mensagens como Whatsapp para disseminar fake news.”

“Nós, jornalistas e mulheres de diferentes veículos, repudiamos com veemência este ataque que não é só a Patrícia Campos Mello, mas a todas as mulheres e ao nosso direito de trabalhar e informar. Não vamos admitir que se tente calar vozes femininas disseminando mentiras e propagando antigos e odiosos estigmas de cunho machista”, completa a nota

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