Cineasta envia carta aberta aos colegas que abandonaram o Festival de Cinema de PE

O historiador e cineasta pernambucano Cleonildo Cruz, autor, entre outros, do filme “Operação Condor”, enviou uma carta aberta nesta terça-feira (16) aos colegas que, “por intolerância político-cultural” decidiram abandonar o Festival de Cinema de Pernambuco marcado para este mês de maio.

Confira a íntegra da carta:

I- A intolerância político-cultural chegou para ficar nesses tempos obscuros que estamos vivendo. Intolerância, sim. E por parte de quem não deveria praticá-la. Ela ocorreu quando vocês, realizadores dos filmes “Abissal”, de Arthur Leite (CE); “Vênus – Filó, a fadinha lésbica”, de Sávio Leite (MG); “A menina só”, de Cintia Domit Pittar (SC); “Iluminadas”, de Gabi Saegesser (PE); “O silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras”, de Petrônio Lorena (PE);
“Não me prometa nada”, de Eva Randolph (RJ) e “Baunilha” de Leo Tabosa (PE) decidiram que suas obras fossem retiradas da programação
da 21ª edição do Cine PE.

II- Tal postura se afigura como um posicionamento
eminentemente antidemocrático. Vocês inscreveram seus filmes para serem submetidos à Curadoria do
festival. Foram selecionados, igualmente como todos os outros filmes. Por que não enviaram carta desistindo assim que saiu o resultado? Todos os filmes estavam lá, inclusive, e entre outros, “O plano por trás da história” e “O jardim das aflições”, supostos estopins para a atitude que tomaram.

III- Por que só agora, às vésperas de acontecer o CINE PE, vocês retiraram seus filmes? Isso configura uma atitude coletiva oportunista e antidemocrática, cujo objetivo aparenta ser a busca
pelos holofotes. Parabéns! Ressalto que tal atitude é de intolerância político-cultural, bem como um desserviço intelectual a todos e todas
que estão no enfrentamento do governo Temer, que vem sistematicamente retirando os direitos da classe trabalhadora.

IV- Este é um erro que ficará na História, mostrando que vocês não souberam ocupar os espaços e fugiram por falta de capacidade de entender a
pluralidade no campo das idéias, num espaço que, inclusive, é o campo da cultura. O momento era de fazer um protesto, quer fosse individual ou coletivo, mas não contra a obra de qualquer dos filmes selecionados para integrar o CINE PE. Que patrulhamento é esse?

V- Defendo o protesto, sim. Mas vocês não o fizeram. Deixaram, de forma antidemocrática, de ocupar o espaço do Festival. Poderiam, ao
contrário, ter feito um belo ato político contra o estado de exceção que estamos vivenciando, contra a criminalização dos movimentos sociais, contra a destruição da democracia no Brasil.

VI- Alguns da esquerda, e não vou generalizar, não compreendem que precisamos sair da bolha. Falar além dessa retórica que só empregamos
para os nossos. Imaginem, por exemplo, se em nossos espaços de debate nos negássemos a participar por que fulano de tal apoiou o golpe que
afastou a presidenta Dilma Roussef?

VII- À minha mente vem um evento que aconteceu nos EUA no mês passado. Lá estavam Dilma Rousseff, presidente deposta por um golpe político-midiático-parlamentar-jurídico, e Sérgio Moro, juiz parcial da Lava Jato. Na última semana, também nos EUA, sentaram à mesma mesa para debater o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e
novamente o juiz Moro.

VIII- Enfrentamento se faz no front, e não abandonando a luta.

Cleonildo Cruz
Historiador, cineasta e doutorando em Epistemologia em História da Ciência pela UNTREF – Buenos Aires.
Filmografia: Pernambuco de 1964 em Pernambuco. 2008; Replicar dos Sinos. 2006; Caixa de pandora. 2010; Haiti, 12 de janeiro. 2012; Constituinte: 1987-1988; Operação Condor, verdade inconclusa. 2015.Atenciosamente,

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