Espião do Exército fala pela primeira vez e admite que esteve infiltrado em grupo anti-Temer

Major do Exército, conhecido Balta Nunes, prestou depoimento nesta sexta-feira por vídeoconferência

Caso Balta Nunes
Ato de apoio aos 18 jovens que estão no banco dos réus, em novembro do ano passado. F. BETIM

O estopim de um dos casos mais emblemáticos da inteligência do Exército Brasileiro na história recente, o major Willian Pina Botelho, ou Balta Nunes como era conhecido, falou diante de uma corte pela primeira vez nesta sexta-feira. Ele prestou depoimento sobre o caso dos 18 jovens detidos na região da avenida Paulista antes de um protesto anti-Temer em São Paulo, no dia 4 de setembro de 2016. O major admitiu que estava infiltrado em grupos de WhatsApp e do Facebook formados pelos manifestantes detidos. Em seu depoimento de cerca de 40 minutos, por videoconferência, Botelho afirmou também que o grupo era “pacífico” e evocou a Garantia de Lei e da Ordem (GLO) para justificar sua participação no grupo de manifestantes e sua presença no local da detenção. A justificativa do militar é alinhada com a do Exército, que, na época do ocorrido, questionado pelo EL PAÍS, já havia justificado uma possível ação na cidade naquele dia baseada na GLO.

Segundo advogados que acompanharam o depoimento transmitido no Fórum da Barra Funda, o militar levou leis para fundamentar seus argumentos, consultando-as em um papel de vez em quando. Alegou que havia sido colocado nos grupos virtuais mas afirmou que não podia dizer por quem, porque estava protegido pelo departamento de inteligência do Exército. “Ele não quis polemizar, foi sucinto”, disse o advogado Thiago Rocchetti. Botelho também afirmou que a maioria dos integrantes do grupo não se conhecia pessoalmente, algo que já havia sido dito por alguns dos jovens na época ao EL PAÍS.

Naquele dia, 18 jovens e três adolescentes foram detidos antes do protesto começar, na região da avenida Paulista, local por onde a tocha paraolímpica havia passado mais cedo. Eles foram levados após uma forte batida policial e passaram a noite na delegacia. A suspeita de que Balta era um infiltrado foi levantada pelos próprios jovens, quando perceberam que, apesar de ele estar no momento da batida policial, era o único que não havia sido levado ao Departamento de Investigações Criminosas (DEIC) com os demais.

O grupo foi liberado na audiência de custódia no dia seguinte, quando um juiz considerou as detenções ilegais. Apesar da liberdade, todos foram processados depois que o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que acusou o grupo de formar uma organização criminosa. O MPSP argumentou que os envolvidos carregavam objetos no intuito de vir a perturbar a ordem pública e depredar o patrimônio. Dentre os utensílios, estariam vinagre, máscaras e capuzes, material de primeiros socorros e uma barra de ferro.

O depoimento desta sexta-feira do militar, que usava o aplicativo de relacionamentos Tinder para procurar “meninas de esquerda” para se relacionar, é crucial para o caso. Mas muitas pontas dessa história ainda estão soltas. Em primeiro lugar, porque a GLO, sancionada em 2014 pela então presidenta Dilma Rousseff, tem como finalidade estabelecer orientações para o uso das Forças Armadas para “garantir ou restaurar a lei ou e ordem”. Mas para ser usada, ela precisa ser decretada pelo presidente e ter uma data estabelecida para começar a valer e para ser encerrada. De fato, naquele 4 de setembro, havia um decreto de GLO na cidade de São Paulo. Mas ele vigorava somente até o final daquele dia em virtude da passagem da tocha. Como o major justifica sua participação no grupo antes daquela data é uma das perguntas que seguem sem resposta. A presença dele no Tinder, usando a identidade de Balta Nunes, aponta que sua atuação não ocorreu somente no dia em que a tocha paraolímpica passava por São Paulo.

Outro questionamento que não foi respondido é de quem partiu a ordem para que o major estivesse naquele local naquele momento. Essa pergunta foi feita na audiência, mas Botelho afirmou que não poderia responder, pois estava protegido por seu cargo no setor de inteligência. Antes dessa resposta evasiva se tornar pública, o procurador Marcos Angelo Grimone já havia aberto uma investigação para apurar se houve ordem para a ação e de quem teria sido. Grimone investiga se Botelho praticou os crimes de identidade ideológica e usurpação da função pública.

Saber de quem partiu a ordem também desvendaria a questão sobre se a ação do militar ocorreu em conjunto com a secretaria de Segurança Pública de São Paulo, algo admitido pelo próprio Exército, negado veementemente pela Secretaria, e desmentido pelos militares na sequência.

Apesar de o major ter dito que o grupo era pacífico, o caso Balta Nunes ainda não terminou. O depoimento do militar foi o último de uma série de oitivas, tanto por parte da acusação, quanto das defesas, incluindo policiais militares e testemunhas. O próximo passo será a apresentação das alegações finais do juiz, com prazo para que a defesa recorra, algo que não tem data para ocorrer, mas deve acontecer nos próximos dois meses. Depois disso, virá a sentença e para ela ainda caberá recurso. Apesar disso, uma das acusadas no processo se diz “aliviada”. “É mais uma prova contundente de que somos inocentes”, disse ela, que preferiu não se identificar.

Poucos meses após a descoberta de sua identidade, Botelho fora promovido a major e enviado pelo Exército para Manaus. Por essa razão, o depoimento do militar, que ocorreu a pedido de parte das defesas, foi feito por videoconferência.

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