Existe um vínculo secreto entre a estrutura do universo e a música?

Livro revela a relação profunda da música com o cosmos, e o imenso poder criativo da metáfora

Para um apaixonado pela física e o jazz um livro intitulado The Jazz of Physics: The Secret Link Between Music and the Structure of the Universe (o jazz da física: a ligação secreta entre a música e a estrutura do universo) exerce a atração gravitacional de um buraco negro e faz a mente voar pelos confins do cosmos. Os que só amam uma dessas duas matérias, ou nenhuma, podem ler esta obra e se deixar arrastar pelo influxo das relações ocultas entre disciplinas díspares, pelo imenso poder criativo da metáfora.

O cientista Albert Einstein, em 1931 (esquerda) e o músico de jazz John Coltrane, em 1966 AP

Imagine dois peixes que falam entre si em um rio, perto do precipício de uma cachoeira. Suas mensagens viajam à velocidade do som na água, o que não está mal para o espesso discurso que podemos esperar dessa espécie aquática. O peixe mais afortunado fica enredado entre as raízes de um nenúfar, enquanto o outro se desvia de modo fatal para a cachoeira. Apesar disso podem continuar falando sem problemas: a voz do peixe estancado viaja ajudada pela corrente e a do peixe condenado segue contra a corrente e leva mais tempo para chegar a seu interlocutor, mas a conversa prossegue.

De repente, no mesmo momento em que o segundo peixe cruza a beira do precipício, a situação muda radicalmente. O peixe que cai pela cachoeira continua recebendo o som do outro, mas seus gritos por ajuda já não chegam a seu interlocutor. A velocidade com que a água cai pela cachoeira é maior que a do som, e o pobre peixe desaparece de seu mundo para todos os efeitos.

Trocando o som pela luz, esta pequena história é a metáfora perfeita de um buraco negro, o objeto mais exótico e enigmático que a ciência descobriu. A beirada da cachoeira representa o “horizonte de eventos” do buraco negro, a fronteira a partir da qual qualquer coisa, peixe ou astronauta, matéria ou energia, cai com tal velocidade para a atração gravitacional fatal do buraco negro que não pode escapar dele. Nem sequer a luz pode escapar, daí se chamar negro.

É somente uma das mil metáforas que Stephon Alexander, físico e sax tenor, apresenta em seu livro The Jazz of Physics. O exemplo de dois peixes não tem relação com o jazz – tão somente com o som–, mas há uma razão sólida para mencioná-lo: que a intenção principal do livro é mostrar o poder da analogia e da metáfora para o pensamento, também o pensamento científico. E por explicar com transparência o horizonte de eventos de um buraco negro, um dos conceitos mais radicais e complexos da ciência.

Mas The Jazz of Physics não é somente um título charmoso. O livro corresponde às expectativas. Alexander é um bom físico teórico, formado com os melhores cientistas e professor da Universidade Brown, e também um respeitável saxofonista de jazz. Sua paixão, e seus estudos de meia vida, se dividem em partes iguais entre John Coltrane e Albert Einstein. E quando uma mente criativa mergulha fundo em dois campos distintos não é raro que emerja uma metáfora, uma ligação recôndita e penetrante entre dois conhecimentos previamente percebidos como incompatíveis. Assim trabalhavam Coltrane, Einstein e os demais gênios da história. Esse é o truque para inovar, para descobrir, para criar pensamento. Movimentar-se no campo de uma só disciplina é a armadilha para criadores por excelência, o passaporte para a esterilidade.

Nesse sentido, a vida de Stephon Alexander, que é a fonte de seu pensamento abarcador, tem muito interesse, e não é surpreendente que seu livro tenha um forte componente autobiográfico (como talvez todo romance tenha). Stephon, afro-americano filho de imigrantes de Trinidad, cresceu no Bronx nova-iorquino onde para um garoto negro era muito mais fácil vender coca do que estudar física. Enquanto mergulhava nos mistérios do sax e da linguagem musical do jazz, porém, o adolescente encontrou tempo para ler Stephen Hawking (Uma Breve História do Tempo) e Richard Feynman (O senhor está brincando, Sr. Fenyman?), e esses livros abriram um novo continente à sua mente inquieta.

“Ler tudo o que caía em minhas mãos sobre física me proporcionava uma evasão perfeita enquanto crescia em uma parte do Bronx onde a realidade, para muitos, era deprimente”, lembra. “Passei boa parte de meus anos de estudante sentindo-me um incapaz fora de lugar, um rastafári de Trinidad criado no Bronx.” É bem curioso que, no centro pontual desse ambiente marginal, o jovem Stephon dedicasse boa parte do tempo que não tinha a se fazer a mãe de todas as perguntas: por que existe algo em vez do nada?

Uma pergunta que, como cada vez mais coisas, era parte da filosofia e agora emigrou para a física, a mãe de todas as ciências.

 

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