Isolado por pressão interna e externa, Brasil vai pedir dinheiro na COP26

Governo brasileiro mantém discurso de que é um dos países que mais protege o meio ambiente e assume postura de embate com nações mais ricas

sistema de combate de focos de incêndios na amazonia bombeiros sobrevoam áreas de queimadas próximo a Porto Velho em RondoniaIgo Estrela/Metrópoles
A próxima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) começa em menos de duas semanas, na Escócia, e deverá ter o Brasil como vidraça – alvo de governos estrangeiros, de ONGs ambientalistas internacionais e de críticos internos, que vão dos povos indígenas até setores do agro que não acham um bom negócio o país ser um patinho feio da agenda ambiental mundial.

Tendo de lidar com esse isolamento sem fazer concessões a todas essas pressões, a delegação do governo brasileiro pretende insistir na tentativa de cobrar dos países ricos recursos financeiros para perseguir metas de redução no desmatamento e de emissões de gases do efeito estufa mais ousadas do que as do Acordo de Paris, de 2015.

Após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter negado o pedido de seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), para liderar essa delegação, o responsável por repetir a mensagem que o próprio mandatário do país reforçou na Assembleia da ONU, em setembro, será o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que insistirá no discurso de que o Brasil tem apostado com vigor na proteção da natureza. O problema é que dados acessíveis a todos jogam contra essa versão.

“O governo Bolsonaro adota a estratégia de falar uma coisa e fazer outra, mas a comunidade internacional percebeu e isolou o Brasil de uma maneira que não pode ser revertida por mais discursos na COP26. Esse isolamento só será vencido com ações concretas, o que dificilmente vai acontecer nesta gestão”, avalia o ambientalista Marcio Astrini, que é secretário-executivo do Observatório do Clima e vai acompanhar presencialmente o evento em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro.

“O Brasil não tem o que apresentar na COP. Todos os números são negativos, temos um ciclo fechado de anos de dados negativos, cujo principal é o do desmatamento, que é 46% maior do que era em 2018, numa ascensão que só pode ser explicada pela existência do governo Bolsonaro e de sua vontade de destruição do meio ambiente”, critica ainda Astrini, que não acredita que as pressões possam mudar a perspectiva a curto prazo. “É um governo que lucra politicamente com a destruição e que não vai mudar, porque o presidente está preso nessa agenda visando a reeleição”, afirma o ambientalista em entrevista ao Metrópoles.

Os números

Cada novo levantamento sobre a destruição florestal é mais um golpe na reputação ambiental que o Brasil levara à Escócia. Em setembro, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que a Amazônia Legal perdeu 10.476 km² de floresta entre agosto de 2020 e julho de 2021. A taxa é 57% maior do que a da temporada anterior de desmatamento, e a pior dos últimos 10 anos.

Pressão do agronegócio

Parte da pressão interna sobre o governo na área ambiental vem de um setor que faz integra a base de apoio a Bolsonaro, os empresários do agronegócio. Na última semana, uma coalizão de empresas que representam quase metade do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), pediu que o governo seja menos inflexível e faça concessões na COP26 para destravar a negociação das regras do mercado de carbono – o que é, teoricamente, o objetivo da gestão do atual mandatário da República.

Pelas contas do grupo, o crédito de carbono pode gerar entre US$ 16 bilhões e US$ 72 bilhões anuais até 2030, se o Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono, for regulamentado. Essa regulamentação é bandeira brasileira desde a gestão do ex-ministro Ricardo Salles, mas está travada porque o Brasil quer que a comercialização dos créditos seja contabilizada tanto pelo país vendedor quanto pelo comprador.

A comunidade internacional resiste porque nesse modelo não se atinge o objetivo de reduzir as emissões globais de carbono, com perdas anulando os ganhos. “Não vamos brigar por isso, porque temos muito mais a ganhar nessa história com o Artigo 6 sendo aprovado do que se a gente continuar a bater o pé”, disse a economista Marina Grossi, presidente do Cebds, ao jornal O Globo.

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