Medidas restritivas contra covid-19 atingem 77% das cidades do país

Pesquisa da CNM indica que 62,7% dos municípios tiveram alta de casos da doença em maio. Prefeitos cobram envio de mais vacinas

Medidas restritivas contra a covid-19 atingem 77% das cidades do país, aponta CNM

Medidas restritivas contra a covid-19 atingem 77% das cidades do país, aponta CNM

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL 

Medidas restritivas contra a covid-19 são adotadas em 76,9% dos municípios, de acordo com pesquisa da CNM (Confederação Nacional de Municípios) realizada entre os dias 31 de maio e 2 de junho, com 2.418 gestores municipais. O levantamento indica ainda que, em maio, houve aumento do número de casos confirmados da doença em 62,7% das cidades pesquisadas, na comparação com abril.

“Existe cautela e um receio forte de uma terceira onda de covid-19 no país, por isso a manutenção das medidas restritivas. É uma situação difícil de lidar. Toda vez que há necessidade de medidas drásticas como o lockdown, aumenta o desemprego e caem as contratações. Quem sofre mais são os pequenos. Tem comércio que não consegue mais reabrir”, afirma Nélio Aguiar, prefeito de Santarém (PA) e diretor da CNM.

Segundo a pesquisa, apenas 19,1% dos gestores disseram que os números da covid-19 se mantém no mesmo patamar e 17,6% afirmaram ter ocorrido diminuição de ocorrências.

Medidas que incentivem o isolamento social para barrar a propagação do novo coronavírus,  como fechamento de serviços não essenciais ou redução do horário de funcionamento de atividades econômicas, só não foram adotadas por 23% dos municípios que participaram da pesquisa.

Quando analisado o porte das cidades, de acordo com o número de habitantes, os casos de covid-19 cresceram mais nos pequenos (64%). Nos de médio porte, o índice foi de 58%, e de 31% nas metrópoles.

Crescimento de casos de covid-19 em relação ao porte do município

Crescimento de casos de covid-19 em relação ao porte do município

Para a epidemiologista e ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, Carla Domingues, medidas restritivas no Brasil não funcionam sem a contribuição da indústria, do comércio e do governo.

“Quase 50% da população vive do comércio informal. Para fechar as portas, tem que ter incentivos financeiros e conseguir pagar os impostos e empregados. Um botijão de gás custa quase R$ 100, como as famílias vão sobreviver tendo que pagar aluguel e comida? O lockdown tem que vir sempre associado a outras medidas”, explica.

Lockdown

Com a pressão sobre o sistema de saúde e o aumento de casos de covid-19, muitos municípios optam pela medida mais radical para conter o vírus: o lockdown. O problema é que são necessários outros benefícios para que a estratégia funcione na prática.

“Ele tem efeito na propagação do vírus, mas é uma medida muito amarga, impopular e com efeitos sociais gravíssimos. Não pode ser prolongada sem que haja apoio financeiro”, destaca o diretor da CNM.

A epidemiologista concorda com a afirmação: “Decretar lockdown sem rede de apoio não funciona. É uma ferramenta importante, mas bota todo o peso sobre a sociedade. Tem que olhar para o contexto como um todo para enfrentamento social. Lockdown, vacinação e auxílio financeiro são complementares e funcionam em conjunto”.

Comércios fecharam ou abrem com horário reduzido

Comércios fecharam ou abrem com horário reduzido

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL 

Nélio Aguiar lembra que, na chamada primeira onda da covid-19, parte da população teve amparo do governo federal com as parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial pago pelo governo. Neste ano, o valor já foi menor. Segundo ele, é preciso agora promover a recuperação da economia.

Outro ponto destacado pelo diretor da CNM é que poucos municípios no país têm condições de criar uma rede de apoio de renda, como São Paulo fez, por exemplo. “A maioria depende de repasses do Fundo de Participação dos Municípios, outra parte vem da arrecadação do ISS [Imposto Sobre Serviços] e ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. No IPTU, a inadimplência está altíssima na pandemia, o que atinge as receitas da prefeitura”, detalha.

Os efeitos de um lockdown são sentidos por todos os setores da sociedade, incluindo as finanças da administração municipal. Mas quando há alta no número de mortes por covid-19 e filas por vagas na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), a população tende a aceitar melhor as restrições. Outros protestam.

A duração das medidas restritivas depende da situação epidemiológica de cada cidade. Mas para ser efetivo, o lockdown deve ser de, no mínimo, 15 dias até 3 semanas. Mas não há parâmetros que definam quando abrir ou fechar um comércio, por exemplo.

Para Nélio Aguiar, a legislação que define os serviços essenciais e os não essenciais é muito abrangente, por isso, na prática, poucos setores da economia param completamente e, assim, a medida não surte o efeito esperado: “Não se contamina nos shoppings, que estão fechados, mas sim no mercado e nas feiras”.

Outra limitação é que municípios não têm autonomia sobre portos e aeroportos e as pessoas estão em constante circulação. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), segundo o diretor da CNM, não é capaz de monitorar os passageiros, fazer a testagem ou isolamento em hotel, e se limita a medir a temperatura, o que não é suficiente para barrar a propagação do coronavírus.

Carla Domingues defende a adoção de um amplo programa de rastreamento, diagnóstico e testagem da população, o que não ocorre. Ela lembra que um exemplo de lockdown com bons resultados foi o de Araraquara, no interior de São Paulo. Ainda assim, o modelo não pode ser replicado em qualquer localidade por se tratar de uma cidade de médio porte.

Gastos com SAMU cresceram na pandemia para atender pacientes com covid-19

Gastos com SAMU cresceram na pandemia para atender pacientes com covid-1

Falta de insumos e SAMU

Pela terceira semana consecutiva, segundo a pesquisa da CNM, aumentou o número de municípios com risco de falta de medicamentos do chamado kit intubação, utilizado em pacientes graves. Um quarto dos gestores (25,4%) relatou preocupação. Nas semanas anteriores, os percentuais foram 23,2% e 16,3%.

Outros 65,2% disseram que não havia risco iminente de ficar sem insumos para tratamento da covid-19 nos hospitais. O problema afeta mais os municípios de médio porte.

De acordo com o diretor da CNM, a dificuldade em comprar os kits não é financeira. “Os fornecedores não estavam encontrando, então os prefeitos provocaram o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais de Saúde para terem a demanda atendida. O Estado tem poder maior de negociação com a indústria, que passou a vender direto para o governo federal”, revela Nélio Aguiar.

O levantamento também abordou a presença do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) nas cidades e em 72,9% dos municípios não há esse tipo de atendimento sob a gestão municipal.

O serviço é financiado com recursos das três esferas de governo. Ainda assim, apenas 9,1% dos gestores confirmaram ter recebido recurso extra do governo estadual para custear o serviço em meio à pandemia e 10,7% disseram que a verba veio da União.

A maioria dos municípios pesquisados revelou também que houve aumento de gastos com o SAMU (61,9%), com as equipes (58,5%) e até mesmo com despesas de combustível e manutenção (75,2%).

Falta de doses da vacina fez com que alguns municípios interrompessem vacinação

Falta de doses da vacina fez com que alguns municípios interrompessem vacinação

Vacinação contra a covid-19

Apesar de menos municípios relatarem falta de vacinas contra a covid-19 na comparação com as semanas anteriores, 22,9% dos gestores afirmaram que ficaram sem o imunizante.

Na semana até 2 de junho, 368 cidades tiveram problemas para dar seguimento à campanha de vacinação com a primeira dose e 305 para a segunda dose, de um total de 554 municípios.

Os gestores cobravam o envio da CoronaVac para completar o esquema vacinal da população. A falta de insumos da vacina produzida pelo Instituto Butantan prejudicou a campanha em 74% dos casos. Quase 20% esperam por novas remessas do imunizante da Astrazeneca/Fiocruz.

“As prefeituras recebem as vacinas a conta-gotas. Toda semana vem, mas há semanas que em quantidade reduzida. Não existe uma uniformidade, o que epidemiologicamente não é bom. Isso gera uma desigualdade na aplicação. A maioria só vacinou idosos acima de 60 anos e, por faixa etária, só os com comorbidades. Outros tiveram de parar a imunização e as pessoas transitam levando o vírus”, revela Nélio Aguiar.

Apenas 30,6% das cidades disseram ter recebido doses da Pfizer, apesar da mudança no armazenamento da vacina. Agora ela pode ficar até 31 dias em refrigeração comum. Até então, as capitais tinham prioridade no recebimento do imunizante da alemã BioNTech.

Para Carlas Domingues, mesmo com a alteração na normativa, a Pfizer deverá ficar restrita aos grande centros. “Ela não vai chegar a locais de difícil acesso. Isso não será possível em um pequeno prazo. O Brasil é um país continental e ela exige uma logística, aplicação e armazenamento diferentes. Se há outras vacinas, a Pfizer deve se concentrar nas grandes cidades e as demais vão para o interior. Tem que se pensar também no custo”, enfatiza a epidemiologista.

Faixa etária e categorias

Metade dos municípios pesquisados afirmaram que pretendiam começar a vacinação da população considerando a faixa etária (entre 18 e 59 anos), seguindo a orientação do Ministério da Saúde.

Importante para a retomada das aulas presenciais em segurança é a vacinação dos profissionais de educação. Segundo o levantamento, 64% dos municípios disseram que, havendo doses suficientes, poderiam concluir a imunização da categoria em uma semana. Em 24,8% das cidades seriam necessárias duas semanas e 6,3% afirmaram que o processo demoraria mais de quatro semanas.

Para a CNM, a expectativa é por uma maior quantidade de vacinas e igualdade na distribuição de doses.

Apesar dos contratempos, a epidemiologista acredita que a vacinação no país está adequada à quantidade de doses recebida. “É possível chegar ao fim do ano com todos vacinados apenas com a primeira dose, mas é importante dizer que o esquema só se completa com a segunda”, lembra.

Ministério da Saúde

Em nota, o Ministério da Saúde informou que “a distribuição de doses é feita de forma proporcional e igualitária, para todos os estados e o Distrito Federal”.

O cálculo, feito pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações), considera o público-alvo de cada fase de distribuição, definido pelo Plano de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, e a população de cada estado.

O levantamento de população-alvo por grupo é baseado nos registros de órgãos oficiais de informações, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), a Base do CadSUS, o SUAS (Sistema Único da Assistência Social), entre outros.

O Ministério lembrou que a Anvisa autorizou, em maio, novas condições de conservação e armazenamento das doses da vacina da Pfizer/BioNTech no Brasil. O imunizante poderá ficar até 31 dias refrigerado entre +2ºC e +8°C, faixa de temperatura que é mais comum na rede pública de saúde dos municípios.

Fonte: R7

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