Um gênio que conviveu com Luiz Gonzaga: Humberto Teixeira, autor de Asa Branca, o Hino do Nordeste. Também sertanejo como Zé Dantas, personagem retratado domingo passado, o gigante Humberto veio ao mundo em Iguatu, no Ceará, e desde criança, conforme declarou em várias entrevistas, já conhecia o baião, como Luiz em Exu.
“Eu tenho a impressão de que fatalisticamente, predestinadamente, eu tinha que me encontrar um dia com Luiz Gonzaga”, disse, no documentário “O homem que engarrafava nuvens”, de 2009. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira não inventaram o baião. Há, inclusive, um registro sonoro deste gênero musical feito em 1930 por Stefana de Macedo (“Estrela d’alva”, de João Pernambuco).
Mas foram eles que urbanizaram e estilizaram o ritmo, dando-lhe uma nova roupagem – e causando uma revolução na música popular brasileira. Através das vozes do grupo cearense Quatro Ases e Um Coringa, o “Baião” chegou em outubro de 1946 arrasando quarteirões, conquistando o País inteiro e ganhando fama mundial.
A parceria Gonzaga-Teixeira, uma das mais importantes de todos os tempos, legaria ao nosso cancioneiro popular 28 composições gravadas – quase a metade delas composta por clássicos da MPB: “Asa branca”, “Assum preto”, “Baião”, “Baião de dois”, “Estrada de Canindé”, “Juazeiro”, “Légua tirana”, “Lorota boa”, “Mangaratiba”, “No meu pé de serra”, “Paraíba”, “Qui nem jiló”, “Respeita Januário”, dentre outras.
É comum ver o nome de Humberto Cavalcanti de Albuquerque Teixeira, nascido em 05/01/1915, associado ao do pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento. Mas, justiça seja feita, Humberto foi uma estrela de brilho próprio na história da música popular – que já corria em suas veias desde o berço, sendo ele sobrinho do maestro Lafaiete Teixeira. Não foi só como compositor, poeta e letrista que militou em prol da MPB.
Advogado de formação, foi também deputado federal nos anos 1950, defendendo o direito autoral – a lei 3.447 de 23/10/1958, sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek, ficaria conhecida como “Lei Humberto Teixeira”. Também foi o criador das Caravanas de Música Brasileira que entre 1958 e 1964 levariam para o exterior os melhores representantes da arte musical brasileira.
O filho de João Euclides Teixeira e Lucíola Cavalcanti de Albuquerque ganhou do pai, quando tinha cinco ou seis anos, um “instrumento estranho”, comprado em Fortaleza, que aprendeu a tocar sozinho. É a própria voz de Humberto Teixeira que aparece narrando a história no excelente documentário “O homem que engarrafava nuvens” (lançado em 2009), produzido por sua filha, a atriz Denise Dummont, e dirigido por Lírio Ferreira.
Diz Humberto que o instrumento era “uma espécie de uma gaita com bocal, mas tinha um teclado de acordeom. Mas a minha vontade – eu me lembro muito bem – era estudar piano”. No que foi rechaçado pelo pai: “Piano é coisa para mulher”. Teria que escolher outro.
Humberto Teixeira, com seus 15/16 anos, deixou seu Ceará natal rumo à então capital federal, o Rio de Janeiro, para estudar Medicina. Acabaria mesmo com o anel de doutor – mas formado em advocacia. A esta altura, já teria começado também sua graduação – com louvor – na música popular.
Para sobreviver no Rio, Humberto fez “coisas do arco da velha”: foi vendedor de óculos Ray-Ban, agente de restaurantes e telefonista. Somente em 1942, debutou em discos de 78 rotações, com três marchas e um dobrado – todos em parceria com Caio Lemos – e um samba com Pijuca (Esdras Falcão Guimarães). No início de 1943, os conterrâneos dos Quatro Ases e Um Coringa levaram ao acetato sua primeira composição sem parceiros, o samba “Natalina”.
Foi Lauro Maia quem Luiz Gonzaga – então já um sanfoneiro de renome, que acabara de se lançar também como cantor – procurou, no intuito de virar seu parceiro e mostrar para o Brasil os ritmos nordestinos que escutava (e tocava) desde a infância. Maia, boêmio e avesso a compromissos, encaminhou-o a alguém que sabia ser excelente letrista e que poderia ajudá-lo na empreitada: seu cunhado, cujo escritório ficava na Avenida Calógeras, Centro do Rio.
Deste primeiro encontro de Humberto Teixeira com Gonzaga, numa tarde de agosto de 1945 (que se estendeu para além da meia-noite), de cara surgiu o xote “No meu pé de serra”. Luiz gravaria “No meu pé de serra” somente em novembro de 1946, quando o “Baião” já era uma coqueluche nas vozes dos Quatro Ases e Um Coringa.
Em seguida viriam a imortal “Asa branca”, o singelo e vigoroso “Juazeiro”, a dolente e lindíssima valsa-toada “Légua tirana”, “Mangaratiba” – xote com uma pitada de samba que faz referência ao município no Estado do Rio, onde Humberto tinha casa –, “Qui nem jiló” e outros clássicos.
Para quem pensa em Humberto Teixeira apenas como letrista das músicas de Luiz Gonzaga, foi ele próprio quem explicou a Nirez: “Não existe isso. Muitas delas são minhas integralmente. Letra, música e tudo. As outras são do Luiz. O solteirão convicto Humberto Teixeira daria uma guinada na vida, casando-se no dia 30/09/1954, em Bauru, com a atriz e pianista Margô Bittencourt (Margarida Maria Pollice, 1929-2007), natural daquela cidade paulista. Da união nasceria em Fortaleza, em 1955, a futura atriz Denise Dummont.
O casamento duraria sete anos. Mais tarde, separada de Humberto, Margarida se casaria com o jornalista e locutor Luiz Jatobá (1915-1982). No fim da década, em 1958, junto a colegas de profissão – entre eles Lamartine Babo, João de Barro (Braguinha), Roberto Martins e Ataulfo Alves –, Humberto ajudou a criar a Academia Brasileira de Música Popular, com 50 imortais. Sua cadeira, a de número 13, tinha Lauro Maia como patrono.
Humberto Teixeira – que morava no bairro carioca de São Conrado – faleceu de infarto do miocárdio no apartamento de sua filha, na Lagoa, em 03/10/1979, aos 64 anos. Foi merecedor de homenagens musicais: em 1980, a de Dalton Vogeler, “O adeus da asa branca”, pela voz do eterno parceiro Luiz Gonzaga; em 1981, a de Nilo Cearense; no ano seguinte, a de Jacinto Limeira e José Miranda; e a do próprio Luiz Gonzaga (feita com João Silva) em 1987, “Doutor do Baião” (“Quanta tristeza fazer baião sem tu”…).