Polarização Bolsonaro x Haddad: Deixa Deus fora disso

Vote segundo a sua consciência, assuma as suas responsabilidades e para de encher o saco dos outros com moralismo tosco, seja de direita ou de esquerda!

Adriano Machado/Crusoé

Não sei quem será o vencedor da disputa eleitoral para presidente da República no dia 28 de outubro de 2018, mas com certeza sei quem perdeu.

Seguimentos cristãos, seja católico ou evangélico, deram um show de horrores. Protagonizaram cenas patéticas que fizeram lembrar a Idade Medieval quando ainda não havia surgido o Estado Moderno.

Primeiro temos que fazer a distinção entre as duplas igreja/pastor e corporações religiosas/mercador.

Grandes grupos empresarias que atuam no mercado religioso fazendo de Jesus uma mercadoria rentável, se apresentam na arena política como proprietários dos pastos e das meigas ovelhas. São desinibidos e reconhecidamente poderosos em termos econômicos e midiáticos. Os empresários de Jesus oferecem apoio em troca de favores. Os valores morais importam, mas não tanto quanto os meios para ampliarem as suas vozes no Brasil.

A visibilidade da dinâmica igreja/pastor não é tão grande. Embora haja repercussões dos discursos dos mercadores da fé, seria uma generalização desonesta dizer que são meros reprodutores. Muitas igrejas locais promoveram debates e os seus pastores não se renderam ao papel de cabo eleitoral. Por mais que pessoalmente tenham preferências, tais pastores não usaram a altura privilegiada do púlpito para impor verdades políticas embaladas em hermenêuticas bíblicas viciadas.

Ainda que em muitas igrejas tenha havido abuso de poder eclesiástico, não dá para imaginar que toda ovelha é levada muda para o matadouro. É preciso que fujamos das generalizações.

Enfim, nas pesquisas um fator tem sido monitorado e amplamente divulgado: quais os percentuais do Bolsonaro e do Haddad no que se refere ao voto evangélico? O dito voto evangélico seria o fiel da balança?

Neste segundo turno das eleições, ficou legível os quatro pilares da candidatura do Bolsonaro: 1) Liberalismo econômico; 2) Antipetismo; 3) Segurança pública; 4) Valores morais reacionários. Diria mais, o candidato do PSL não expressou essas ideias no formato de programa de governo. Ele sequer quis debatê-las. Bolsonaro captou um sentimento muito mais do que elaborou uma ideia. Capturou o sentimento de revolta e o voto do tipo “pior do que está não fica”.

Em que sentido captura a simpatia de setores cristãos importantes? Principalmente no quarto item: valores morais reacionários. Ou seja, negação das agendas dos grupos identitários. Até os direitos humanos foram demonizados “em nome de Jesus”. Com desdém desmerecem: “Lá vem o pessoal dos direitos humanos”.

O primeiro ato dessa conversão se deu no Rio Jordão, batizado pelo pastor Everaldo, presidente do Partido Social Cristão (PSL). Bolsonaro convidou o Senador, pastor batista, Magno Malta (PR-ES), para ser candidato a sua vice-presidência. Na Câmara Federal, era frequentemente ladeado pelo colega Marcos Feliciano (PODE-SP). Na campanha eleitoral, recebeu a benção do Bispo Macedo (IURD) com direito a entrevista exclusiva na Record que ocorreu simultaneamente ao debate dos presidenciáveis na Rede Globo no dia 05/10/18.

Mesmo em Igrejas das chamadas denominações históricas/tradicionais, alguns pastores impuseram suas mãos ungindo o candidato como representante de Deus para devolver a dignidade ao Brasil. No Rio de Janeiro, foram eleitos para o Senado o filho Flávio Bolsonaro (PSL) e o então deputado Arolde de Oliveira (PSD). Empresário dono do grupo de comunicação MK voltado para o segmento gospel. Enfim, a lista de cabos eleitorais relevantes das igrejas evangélicas é enorme, mas não podemos deixar de citar o mais apaixonado apologista desta candidatura: Silas Malafaia.

O slogan da campanha do Bolsonaro: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” (João 8:32).

Não temos tempo para alongar tanto, mas é certo que a estratégia da campanha foi aproximar-se dos cristãos para combater o dito Estado ateu no seu alegado descompromisso com os valores morais. Fácil localizar neste eleitorado uma empáfia religiosa que diz ser natural que as minorias se submetam ao poder da maioria. Sendo a maioria cristã, dizem eles, é legítimo o ordenamento social/político a partir dos valores da família cristã.

Estaria Deus devidamente sequestrado para cumprir a função de cabo eleitoral do Jair Messias Bolsonaro?

O candidato Fernando Haddad precisou correr atrás desse eleitorado. No primeiro turno, o prejuízo foi grande. Fake News sobre o famigerado “kit gay” correram tanto nas redes sociais como nos espaços das igrejas. Mesmo com todos os esclarecimentos e provado a falsidade do boato, cristãos continuam a compartilhar memes e a produzirem posts com farta citação bíblica para caracterizar as aberrações dos “petralhas”.

O fato é que a campanha do Haddad buscou aproximação dos chamados cristãos progressistas, sejam dos remanescentes fiéis da Teologia da Libertação na Igreja Católica, sejam de grupos e líderes independentes das Igrejas Evangélicas.

Assim como mulheres no país se reuniram para dizer #EleNão, muitos cristãos se reuniram em coletivos para apontar as contradições entre a macheza do Bolsonaro e a mensagem da graça e misericórdia de Deus encarnada por Jesus.

Os discursos dos apoiadores cristãos do Haddad foram no sentido de desautorizar o messianismo político representado pela candidatura do Bolsonaro. Foram bem mais reativos do que propositivos.

A tônica do PT logo no início do segundo turno foi responder à pressão para que fizesse uma autocrítica. Marina Silva (Rede) declarou no dia 22.10.19 o seu voto crítico no Haddad. Lembrar que Marina é evangélica e parcela do seu eleitorado vem desse seu vínculo religioso. Diante do resultado eleitoral surpreendentemente fraco da Marina – 1,00 % (1.074.538 votos) – pergunta-se para onde migrou o seu eleitorado. Lembrar que em 2010 obteve 19% dos votos e em 2014 ampliou para 21%.

Tenho muitas críticas a Marina Silva no campo político. Mas, se tem alguém neste país que se conduz de forma correta, ao meu ver, na relação política partidária e confissão de fé, é ela. Equilibrada, sensata, coerente e consciente da finura da fronteira. Não abusa deste vínculo evangélico para reclamar legitimidade divina. Mas também não renuncia a sua pertença religiosa para agradar setores da sociedade brasileira que não escondem os seus pré-conceitos em relação aos evangélicos. Marina age com equilíbrio sabendo que os marcos dessa fronteira são tênues.

Quanto ao folclórico Cabo Daciolo (PATRIOTA-RJ), chamou atenção pelo inusitado. Sempre com a Bíblia na mão. Nos debates, quando obteve maior visibilidade, protagonizou momentos hilários de muito riso no auditório e números impressionantes de citações nas redes sociais. Conquanto o apelido de “mito” foi atribuído ao Bolsonaro, quem de fato mitou nas redes sociais foi o pastor Cabo Daciolo. Uma crítica que foi muito recorrente: enquanto o capitão se esforça para parecer um evangélico pentecostal como estratégia política, o cabo fazia isso espontaneamente com mais naturalidade. Daciolo surpreendeu positivamente com o número de votos obtidos – 1,26% (1.349.495 votos).

Declaração de voto

Dia 24/10/18, Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo e ex-presidente do PSDB, declarou que se antes estava pensando em votar nulo, depois do discurso do Bolsonaro no domingo 21/10/18 ele decidiu votar no Haddad. Bolsonaro transformou adversários políticos em inimigos e sem qualquer decoro fez ameaças de silenciar imprensa, mandar prender, criminalizar movimentos sociais e expulsar do país a petralhada. Por mais que Goldman tenha diferenças enormes com o PT, disse que o personagem Bolsonaro atiça a extrema direita e ameaça realmente a democracia. Como Marina, Goldman anuncia o seu voto crítico no Haddad.

Na terça-feira, 23/10/18, em pleno comício do Fernando Haddad no Rio de Janeiro, o rapper Mano Brown criticou a perda de sintonia do PT com o povo das periferias. Recomendou ao partido que volte para as bases. Embora tenha recebido vaias no comício de parte do público, no palco Caetano Veloso e Chico Buarque fizeram coro com o músico. No dia seguinte, foi a vez do candidato Haddad reconhecer que as críticas do Mano Brown são pertinentes e necessárias. Como Marina e Goldman, Mano Brown declarou seu voto ao Haddad, mas não sem críticas.

Eu vou votar no Fernando Haddad, não sem críticas. Isso não tem haver com Deus, tem haver comigo. O meu voto não expressa a vontade de Deus, expressa o meu discernimento e a minha percepção do momento que o Brasil vive.

O Jair Bolsonaro é completamente despreparado para ser um deputado federal, quanto mais assumir a presidência.

Disse o candidatado Ciro Gomes (PDT) que o “tecido social brasileiro está esgaçado”. Concordo, realmente temo pela nossa frágil democracia num eventual governo do Bolsonaro. Quem faz campanha na base da ameaça pode querer governar na base da porrada.

Por outro lado, não enxergo condições de numa eventual vitória do Fernando Haddad haver certo empoderamento do PT. O antipetismo é uma realidade palpável.

Voto no Haddad com a expectativa não de um presidencialismo de coalisão em que os apoios são conquistados pela via da corrupção. Esse governo terá que ser pluripartidário com um nível de transparência jamais visto neste país.

Teremos que repactuar a república. Que sejam chamados para o governo a Marina, Goldman, Ciro, Boulos, os três poderes, os grupos econômicos, os grupos de comunicação, Ministério Público, etc. Enfim, voto no Haddad na esperança que o PT diminua e a República Democrática Brasileira cresça.

Assim que as apurações do primeiro turno no domingo 07/10/18 anunciaram o resultado, vizinhos começaram a gritar na janela palavrões e bordões. Meu filho Pedro ouvia e corria para o meu quarto para contar uma de cada vez. Fez isso correndo mesmo, como se não quisesse perder nada.

– “Pai, estão dizendo para os pretos voltarem para as senzalas.”
– “Pai, estão mandando as bichas voltarem para o armário.”
– “Pai, um menino gritou que ladrão bom é ladrão morto.”

Da última vez ele trouxe a própria fala:

– “Pai, eu estou com medo!”

O coloquei no meu colo e o abriguei. O estrago civilizatório já foi feito, independentemente do que acontecer no Brasil no próximo domingo. A raiva foi destilada e muita gente grande se sente ameaçada. Neste tempo de extremos, estamos sendo convidados a amar como jamais amamos. Jesus continua como a melhor referência de resistência pacífica, justa e firme.

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