‘Professor precisa ter compaixão’, diz indiano criador da Faculdade dos Pés descalços

Buker Roy estará no Rio para o congresso Educação 360
Buker Roy estará no Rio para o congresso Educação 360 Foto: Buker Roy estará no Rio para o congresso Educação 360 / Divulgação
Bruno Alfano

Um lugar onde o professor aprende e o aluno ensina. Essa é a ideia do Barefoot College, que, traduzindo, seria algo como a Universidade de Pés Descalços, criada há 45 anos pelo indiano Sanjit Bunker Roy — que estará no Brasil no Educação 360, evento promovido pelos jornais EXTRA e O Globo, nos dias 24 e 25 de setembro, com patrocínio de Sesi, Fundação Telefônica, Fundação Itaú Social, Colégio pH e Fundação Cesgranrio, apoio da Prefeitura do Rio e apoio institucional de TV Globo, Canal Futura, Unesco, Unicef e Todos pela Educação. Bunker Roy veio de uma família da elite indiana e, por curiosidade, resolveu viver cinco anos numa vila pobre do país. Lá, mudou de vida. Foi quando desenvolveu uma universidade só para os pobres — que ele explica como funciona nesta entrevista respondida por e-mail.

Quem são os alunos da Barefoot College?

No Barefoot College, todo mundo é estudante por toda a vida, porque você nunca para de aprender (ou de desaprender). É um lugar onde o professor é o aluno, e o aluno é o professor.

E quem ensina?

Todos são aprendizes e professores. Qualquer pessoa que tenha PhD ou alta qualificação no papel é desclassificada para ir ao Barefoot. O professor é, primeiro, um ser humano. Para ser um bom professor, você precisa ter compaixão, tolerância, paciência, sabedoria prática, conhecimento da vida e paixão por compartilhar o que sabe. Isso não é garantido por trás do diploma ou qualificação em papel.

Você pode imaginar como seria sua vida se não tivesse vivido na aldeia indígena?

Precisei passar cinco anos atuando como um trabalhador sem qualificação, com os pobres, cavando poços em rochas duras até 100 pés abaixo do solo à procura de água. Eu precisava sentir e respeitar o conhecimento, as habilidades e a sabedoria das pessoas comuns muito pobres. É essa experiência inestimável que ponho em prática no estabelecimento do Barefoot College.

Foto: Mulheres de pequenas vilas aprendem alta tecnologia / Divulgação

Um dos programas da universidade é ensinar mulheres analfabetas a instalarem energia solar nas vilas. Por que não os homens?

Primeiramente, porque uma vez que adquirem alguma habilidade, eles deixam sua aldeia procurando emprego na cidade. Assim, suas habilidades são perdidas para a aldeia. Então, por que treinar homens? Por que não mulheres, que ficam e nunca migram? Além disso, treinando mulheres analfabetas mostramos que o analfabetismo não é uma barreira para quem quer aprender novas habilidades, como a engenharia solar, e aplicá-las para o bem-estar de própria comunidade.

Há intenção de mostrar o valor das mulheres em locais onde elas não são valorizadas?

Sim. Mostramos que as mulheres são mais capazes que os homens quando se trata de adquirir as tecnologias mais sofisticadas (como a solar), e, uma vez que elas eletrificam toda a sua aldeia, são tratadas com mais respeito pelos maridos e pelos homens.

Um dos maiores problemas das grandes cidades brasileiras é o domínio de grupos criminosos em áreas pobres. Quais experiências da Barefoot College poderiam ser úteis para o nosso país enfrentar essa situação?

Um dos maiores problemas nas grandes cidades em todo lugar (inclusive no Brasil) é o desemprego. Milhares de diplomados estão desempregados porque o papel que ocupam é inútil no mercado de trabalho. O Barefoot College parou de emitir certificados em papel após qualquer treinamento. A certificação é feita pela aldeia, pela comunidade, pelos moradores da favela a que servem quando aplicam sua habilidade recém-adquirida para o bem-estar de sua comunidade.

Foto: Mulheres de pequenas vilas aprendem alta tecnologia / Divulgação

Qual é a influência de Gandhi em sua formação e na filosofia do Barefoot College?

O Barefoot College por 45 anos seguiu o estilo de trabalho e de vida de Mahatma Gandhi. Simplicidade, austeridade, igualdade, não violência, transparência e responsabilização são valores não negociáveis e são praticados como um modo de vida na organização.

A universidade usa muitos fantoches. Qual a função pedagógica deles?

Nos locais onde não há TV ou mídia impressa, as luvas de fantoche são uma poderosa ferramenta para comunicar mensagens sociais. Todo desempenho é interativo. Milhares vêm a seus shows de marionetes todos os anos. De uma forma imaginativa e inovadora, os fantoches falam por que você deve mandar seu filho para as escolas, por que você deve coletar água da chuva, por que você não deve bater em sua esposa em casa, etc. Elas são feitas de relatórios não solicitados do Banco Mundial…

O Barefoot mudou a Índia de alguma forma?

Existe a Bharat, que são as aldeias. Essa é a Índia de Mahatma Gandhi. O Barefoot College mudou a mentalidade da Bharat de forma significativa e fundamental, por exemplo, treinando mulheres em habilidades básicas para fornecer serviços básicos de água potável, saúde, educação e geração de renda. A revista “Time” disse que conseguimos melhorar a vida de 3 milhões de pessoas nas áreas rurais que vivem com menos de um dólar por dia. A Bharat tem 600.000 aldeias. O Barefoot College conseguiu apenas atingir alguns milhares. Meu sonho é que alcancemos mais pessoas nas áreas rurais pobres e garantir que elas não passem fome. Gandhi disse: “O mundo tem o suficiente para a necessidade de todo homem, mas não para a ganância de um homem”.

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