Antes de ser atingido em uma ação de o Exército no último dia 7, em Guadalupe, o catador de material reciclável Luciano Macedo, de 27 anos, não só tentou salvar Evaldo Rosa, fuzilado pelos militares, mas também o filho do músico de 7 anos de idade. Ele tirou o menino de dentro do carro que foi alvo de cerca de 80 tiros. A cena foi descrita por sua mulher, Daiana Horrara, que testemunhou o momento em que o marido foi atingido por três dos tiros. O relato é confirmado por parentes de Evaldo. Após carregar a criança no colo até uma área segura, o catador voltou ao carro para tentar tirar o músico, que morreu na hora.
Após 11 dias internado, Luciano também não resistiu aos ferimentos e morreu na madrugada de ontem no Hospital estadual Carlos Chagas.
— Se meu irmão errou muitas vezes na vida, ele acertou ali naquele momento. Deus levou ele. O que me conforta é isso: ele foi salvar uma vida e deu a dele — desabafou Lucimara Macedo, de 38 anos, irmã mais velha do catador.
Em quatro meses, Luciano seria pai: Daiana está grávida de cinco meses. O casal vivia nas ruas, e o catador estava juntando pedaços de madeira para construir um barraco na Favela do Muquiço, em Guadalupe, próxima ao local do crime. No momento em que o carro de Evaldo foi fuzilado pela patrulha dos militares na Estrada do Catonho, Luciano e Daiana passavam, com um carrinho de mão, pela via a caminho do local onde o catador coletava as vigas para a construção da casa.
Segundo Lucimara, Luciano Macedo teve infância difícil, nas proximidades da favela do Final Feliz, em Anchieta. Perdeu o pai cedo, num acidente doméstico. Os dois irmãos foram criados pela mãe, a auxiliar de serviços gerais Aparecida Macedo. Luciano estudou até a 5ª série. Quando completou 18 anos, saiu de casa e decidiu que iria viver sozinho: acabou indo morar nas ruas.
Nesse período, segundo seus parentes, Luciano passou fome e até chegou a ser preso por um roubo. Para conseguir comprar comida, passou a catar latinhas nas ruas. Há dois anos, reencontrou Daiana, uma paixão antiga, e começou um relacionamento. O casal vivia um momento feliz esperando a chegada do filho.
O Exército já encaminhou a investigação ao Ministério Público Militar (MPM), que ainda apresentará a denúncia à Justiça. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, os nove militares presos responderão pelos dois homicídios e pelas tentativas de homicídio dos outros quatro parentes de Evaldo, que estavam no carro.
— Entendemos que o Exército errou em três ocasiões distintas: ao atirar em Luciano, ao não prestar socorro imediato, pois viu ele agonizando no chão, pedindo ajuda, e, por fim, ignoraram o drama da família durante esse período de internação — afirmou Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz, que lançou uma vaquinha online para ajudar a família a enterrar Luciano.
O enterro do Luciano Macedo será nesta sexta-feira, no Cemitério do Caju.