O retiro de Alckmin

Acostumado aos holofotes, o tucano submergiu. Longe do pulsar das ruas, da correria dos gabinetes e até mesmo da missa aos domingos, o ex-governador paulista ainda tenta se refazer de sua mais amarga derrota eleitoral

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O VELHO E O NOVO Acima, Alckmin passeia debaixo de uma parreira com a mulher Lu, enquanto abaixo o ex-ministro Bruno Araújo prepara-se para assumir como novo presidente do PSDB a partir de maio (Crédito: Divulgação)

Talita Nascimento

Marcelo Camargo/Agência Brasil

O devoto Geraldo Alckmin ainda carrega um velho terço de madeira no bolso direito da calça. Mas desapareceu das missas de domingo na Paróquia Santo Antônio do Caxingui, próxima à sua casa, no Morumbi. O padre Alfredo Cezar da Veiga atesta: “Tenho encontrado apenas a Dona Lu (sua esposa) em visitas e orientações espirituais”. O amplo escritório alugado por Alckmin no sofisticado bairro do Itaim Bibi parece consumido pela poeira. Pudera. Está desativado. A abastada comitiva de campanha foi reduzida a pouquíssimos assessores. Desde a malograda campanha presidencial, Alckmin submergiu. Nos últimos tempos, alterou substancialmente sua rotina e refugiou-se no silêncio – este quebrado raríssimas vezes. Uma delas na última segunda-feira 18, quando o presidente nacional do PSDB – sim, ele ainda comanda o tucanato, ao menos formalmente – concedeu uma palestra sobre a Reforma da Previdência, num hotel na região de Moema, em São Paulo. Mais recluso, admitiu à ISTOÉ: “Eu já me arrependi de discursos que fiz, mas nunca do meu silêncio”, afirmou num tom ainda mais baixo do que o normal. “Ele é muito analítico e espiritualizado. Achava, como todo mundo, que tinha chance de ganhar a eleição. Acredito que está refletindo sobre todos esses acontecimentos”, elucubrou o pároco Alfredo Cezar, que jacta-se de conhecer o tucano como poucos.

De fato, para utilizar uma expressão, em geral, associada ao cristianismo, Alckmin experimenta uma espécie de calvário. Mas um calvário político. O ex-candidato à presidência da República pelo PSDB, que terminou a eleição em quarto lugar, com 4,7% dos votos, carrega o dissabor de ter o pior desempenho tucano em eleições presidenciais desde 1989. Na campanha, não poupou esforços e nem dinheiro. Contava com uma farta comitiva de assessores e uma portentosa aliança com oito partidos, responsável por lhe franquear o maior tempo de TV. Não foi o suficiente para alcançar sequer o pódium da corrida eleitoral. No PSDB e mesmo fora dele, a amarga derrota foi atribuída a não outro personagem senão a ele próprio, imerso em equívocos e convicções desbotadas pelo tempo. Talvez daí a necessidade de um retiro pessoal, uma descida ao inferno do autoconhecimento, como o spoudaios de Aristóteles, a fim de emergir mais adiante com o desvelamento da própria alma. Na maior parte do tempo, dedica-se integralmente à família. É no aconchego familiar que Alckmin tenta se refazer.

Quando não está com a mulher e filhos, as atividades na esvaziada presidência do partido ainda são o que lhe resta a conduzir, levando-o quinzenalmente a Brasília. Mesmo assim, os deslocamentos são feitos com o máximo de discrição. Numa das poucas palestras abertas à imprensa que ministrou depois do processo eleitoral, o assunto era justamente sobre a Reforma da Previdência encaminhada pelo novo governo ao Congresso. “Acredito que será aprovada e que os parlamentares do PSDB devem se posicionar de maneira favorável”, disse o ex-governador, acompanhado de apenas dois assessores. Na visão sempre polida de Alckmin, seria incoerente com seu discurso de campanha ficar contra a reforma que ele defendeu em seu próprio plano de governo.

“Ele achava que tinha chance de ganhar a eleição. É muito analítico, espiritualizado e está refletindo sobre todos esses fatos” Alfredo Cezar da Veiga, padre da Paróquia Santo Antonio do Caxingui

Aulas

Além da participação em futuros eventos da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil, que deve somar seis encontros para discutir as demais reformas propostas para o país, Alckmin já ministrou quatro aulas no curso de Medicina da Faculdade Uninove. Suas contribuições foram sobre temas de saúde pública, uma forma de aliar sua formação, de médico anestesista, aos anos que passou no comando de São Paulo. Apesar de não integrar nenhuma disciplina do curso, as aulas devem continuar, revezando-se entre as seis unidades da instituição.

Fora isso, o ex-governador mudou radicalmente. Depois de passar mais de uma década morando no luxuoso Palácio dos Bandeirantes, agora adota uma rotina mais simples. Deixou o amplo escritório alugado no Itaim para se alocar num espaço mais modesto utilizado antes pela filha, a influenciadora digital Sophia Alckmin. Ainda no puerpério, ela ficará um tempo afastada e cedeu o gabinete no qual despachava ao pai. Segundo quem o acompanha, Alckmin ainda cultiva o hábito de tomar cafezinho nas padarias da região, mas é consenso: o ostracismo o levou a um período de maior introspecção. O cotidiano atribulado do passado recente ficou para trás. Na nova vida de Alckmin, o brilho dos holofotes deu lugar à penumbra.

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