Série governadores: José Muniz Ramos

 

Capítulo 12

Convencionalmente, mandato-tampão é a continuidade do período de uma gestão acrescida ao tempo regular com o intuito de manter a estabilidade política. José Muniz Ramos, que assumiu o Governo de Pernambuco por 11 meses, entre maio de 1982 a março de 1983, na condição de presidente da Assembleia Legislativa, consequência da renúncia de Roberto Magalhães, que era vice de Marco Maciel, para disputar o Governo do Estado, foi além da missão protocolar e gerencial do mandato-tampão.

Vindo da sua Araripina, na chapada do Araripe, a 682 km do Recife, onde seu pai Manuel Ramos de Barros foi prefeito por dois mandatos, José Ramos marcou sua passagem pelo poder pelo traço da lealdade ao seu grupo político, liderado por Marco Maciel. Em nenhum momento, usou da deslealdade. Foi firme nos compromissos assumidos para eleger Roberto Magalhães, que derrotou Marcos Freire.

Foi austero e zeloso com as finanças do Estado. Na sua simplicidade e humildade contagiantes transformou-se numa referência na política com “P” maiúsculo, sem dar espaço a qualquer tipo de questionamentos à sua fidelidade a quem com ele foi correto, como Marco Maciel e Roberto Magalhães. Uma vida firmada nos alicerces da coerência, da lealdade, do respeito às pessoas e, principalmente, a sua condição de homem público.

Como Nilo Coelho, José Ramos governou com os olhos e o coração concentrados do Sertão para o litoral, com um olhar especialmente para a Chapada do Araripe. Em Araripina, que ia quase todos os fins de semana e onde cria caprinos até hoje, construiu um aeroporto, fez a principal perimetral da cidade, implantou a Gerência Regional de Educação do Araripe, a Gere, fez um amplo programa de assistência rural, incentivou a psicultura, deu régua e compasso à política do gesso, carro-chefe da economia, e implantou uma dezena de escolas.

Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas, José Ramos chefiou a assessoria jurídica do Complexo Industrial Clementino Coelho, em Petrolina (1967-1969), saindo de lá para assumir a gerência das Indústrias Coelho S.A. Foi sua última experiência na área privada, porque logo em seguida, em 1970, foi eleito deputado estadual. Titular da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, reelegeu-se em 1974 e no exercício do seu segundo mandato fez parte da Comissão de Administração Pública e assumiu a vice-liderança da bancada. Em 1975, a convite do Departamento de Estado norte-americano, participou de vários simpósios sobre estudos políticos.

Conquistou seu terceiro mandato em 1978, e com a extinção do bipartidarismo, em novembro de 1979, e a consequente reformulação partidária, filiou-se ao Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Arena. Líder do governo e depois presidente da Assembleia Legislativa, em 15 de maio de 1982 foi empossado no Governo de Pernambuco, quando o governador Marco Maciel e o vice-governador Roberto Magalhães se desincompatibilizaram para concorrer a uma cadeira no Senado e ao governo do Estado.

“José Ramos foi o benfeitor de Araripina, sua terra”, reconhece o ex-prefeito Emanuel Bringel. Sem exagero e com a gratidão que caracteriza o povo do lugar, podemos reconhecer que a história de Araripina está dividida em dois tempos: antes e depois do governador José Muniz Ramos”, atesta o prefeito Raimundo Pimentel. José Ramos nasceu e cresceu na política. Além do pai ter sido prefeito da sua terra, seus tios Sebastião Muniz Falcão e Djalma Falcão viraram governador de Alagoas, deputado federal e senador.

Passagem pelo Bandepe e vice de José Múcio – De 1985 a 1986, José Ramos assumiu a Presidência do Banco de Desenvolvimento de Pernambuco, o Bandepe. Teve que renunciar para ser vice na chapa de José Múcio Monteiro, candidato a governador em 86. Embora contando com o apoio de 120 dos 167 prefeitos e de políticos da expressão de Marco Maciel, que então ocupava o cargo de ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, José Múcio foi derrotado pelo candidato do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o ex-governador e deputado federal Miguel Arraes.

Eleito presidente da Alepe com apenas um voto de diferença – José Ramos ganhou a confiança de Marco Maciel depois de ser alçado à vida pública pelo clã Coelho. Ao final do seu Governo, ao escolher como candidato a governador Roberto Magalhães, que era seu vice, e sair na sua chapa candidato ao Senado, Maciel precisava ter alguém no Governo de sua absoluta confiança. Regimentalmente, a saída seria passar o cargo para o presidente da Assembleia Legislativa. Não foi uma construção fácil, uma eleição apertada. José Ramos chegou à Presidência da Casa por apenas um voto de diferença para seu opositor.

Líder do Governo Joaquim Francisco – Em outubro de 1990, José Ramos candidatou-se novamente a deputado estadual, ainda na legenda do PFL, mas acabou na suplência. Exerceu o mandato de abril de 1991 a junho de 1992, período em que ocupou a liderança do governo Joaquim Francisco (1991-1995). Foi ainda secretário do diretório regional do PFL, depois não exerceu mais nenhum cargo eletivo. Em agosto de 1999, foi nomeado para o conselho de administração da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF). Dois anos depois, assumiu a superintendência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em Pernambuco. Está filiado ao Democratas (DEM), legenda que substituiu o PFL.

O garoto travesso e a mulher miss Petrolina – Jornalista veterano, que viu passar pelo Palácio das Princesas governadores dos mais variados estilos, o colunista João Alberto considera José Ramos um gentleman na melhor acepção do termo e lembra que Socorro, esposa do ex-governador, havia sido Miss Petrolina. João Alberto não esquece a cena da primeira entrevista que fez com José Ramos, nos jardins do Palácio do Campo das Princesas. “A entrevista estava começando a esquentar quando seu filho, um garoto de uns cinco anos, entrou correndo e ficou no colo do pai. Recordei cena parecida com o filho de John Kennedy na Casa Branca, que correu o mundo”, relembra o jornalista.

Sandálias da humildade – Nos 11 meses em que governou Pernambuco, foram raros os fins de semana que José Ramos não aterrissasse em Araripina, usando um bimotor ou um Bandeirante, aviões da frota que o Estado tinha na época, para trabalhar e ao mesmo tempo desfrutar de momentos com a família. Repórter estagiário no Palácio das Princesas, perdi as contas que o secretário de Imprensa, Ângelo Castelo Branco, me escalou para viajar na comitiva do então governador. O que me impressionava, além do amor de Ramos pela terra natal e sua gente, era seu cativante estilo, seus modos simples de sertanejo. O poder nunca lhe subiu à cabeça. Algo que me comovia também eram os seus discursos de improviso. Falava manso, construía frases em tom poético. Na verdade, José Ramos foi e sempre será um ser humano incrível, que calça as sandálias da humildade, de raro humanismo.

CURTAS

A FUGA DO AVÔ QUE VIROU PREFEITO – Os avós paternos de José Ramos eram de São José do Belmonte, no Alto Sertão, a 472 km do Recife. Durante o cruento conflito das famílias Pereira e Carvalho no século passado, o seu avô coronel Francisco Ramos Nogueira, o famoso tio Chico Ramos, resolveu se retirar do solo belmontense depois de ser atacado por cangaceiros no povoado de Bom Nome. Na fuga, escolheu a cidade de Araripina para fixar residência. Ganhou a simpatia e a confiança do povo e se elegeu prefeito.

HOMENAGEM NA CASA DO POVO – Além de reconhecer a obra que José Ramos fez em favor do Sertão num curto espaço de tempo, a deputada Roberta Arraes usou o grande expediente da Casa para uma sessão em homenagem ao ex-governador pela passagem dos seus 80 anos de vida, em 2019. “Doutor Ramos, como é conhecido, é fonte de inspiração para todos, principalmente para o povo sertanejo”, discursou a parlamentar.

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