Documentário pernambucano investiga presença de Tio Sam no Nordeste

Em Nome da América, de Fernando Weller, será exibido no Festival do Rio

Cena de Em Nome da América / Jaraguá Produções/Divulgação

Cena de Em Nome da América

Ernesto Barros

Um tema controverso, estudado em silêncio e de pouca visibilidade no cinema, a atuação do governo dos Estados Unidos no Brasil, a partir da década de 1960, é revelada no documentário pernambucano Em Nome da América, que será apresentado na próxima sexta-feira, dia 6, na abertura da Mostra Competitiva de Documentários da Première Brasil, no Festival do Rio. Dirigido pelo niteroiense Fernando Weller, professor do curso de cinema da UFPE e radicado no Recife há 10 anos, o filme detalha a participação da agência governamental americana Corpos da Paz, criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, no Nordeste.

Os Corpos da Paz eram formados por jovens voluntários, que vieram ao Brasil desde a criação até o seu fechamento, em 1981. O período mais complexo foi justamente o início de suas ações. No Brasil, o foco da agência foi a região Nordeste, que os Estados Unidos acreditavam que poderia se tornar a próxima Cuba. A chegada dos Corpos da Paz acontece simultaneamente ao golpe militar no Brasil, a Guerra do Vietnã e as informações sobre a infiltração de agentes na CIA na América Latina.

No início do projeto, a ideia de Fernando Weller para o filme era completamente outra, uma curiosidade cinéfila, mas que o levou a uma nova realidade. “Esse projeto começou, oficialmente, em 2012, quando a gente aprovou o desenvolvimento do roteiro no edital do Funcultura. Na época, o filme se chamava Steven Esteve Aqui. Girava em torno de um personagem que, supostamente, segundo boatos lá do Sertão, teria vivido clandestino e que muitas pessoas achavam que era Steven Spielberg. Eu fui atrás dessa história, que achava engraçada, e acabei, por conta da pesquisa que o Funcultura possibilitou, indo para os Estados Unidos. Pesquisei nos arquivos de lá e encontrei um material mais importante que a piada sobre Steven Spielberg”, relembra.

Durante dois meses, o cineasta pesquisou em arquivos americanos sobre a presença dos voluntários dos Corpos de Paz no Nordeste brasileiro. A partir dessa pesquisa, o filme foi ganhando forma com a inserção de material filmado no Brasil, além de muitos documentos impossíveis de serem encontrados por aqui. Com esses achados, Fernando acabou chegando aos voluntários, muitos dos quais moradores no Recife, além dos que ele conheceu nas redes sociais e fóruns de discussão na internet. Apesar da aproximação não ter sido difícil, os americanos têm receio da imagem que ficaram deles, explica Fernando Weller.

“Eram pessoas bem-intencionadas, mas com muito receio do estigma do americano espião e imperialista – e tudo o que eles queriam era não ser isso e não se misturar com a política externa americana. Obviamente, eles têm medo de se enquadrarem nesse estereótipo. O filme mostra que a vinda dessas pessoas estava vinculada a um contexto político. Quer dizer, não dá para se desvincular dessas iniciativas individuais e das ações institucionais e políticas do governo americano. De certa forma, é um tema que os incomoda, mas que o filme aborda, sem atacar os indivíduos, mas as instituições”.

ALIANÇA PARA O PROGRESSO

De acordo com a política externa americana da administração Kennedy, os Estados Unidos tinham a intenção de criar um serviço de relações públicas mundial para contrabalançar a imagem do país, arranhada durante os primeiros anos da Guerra Fria. Nesta batalha simbólica contra o comunismo, o governo americano achava que não bastava mandar armas, mas também ter a presença deles em ações comunitárias. Entretanto, durante a Guerra do Vietnã, muitos voluntários aproveitaram os Corpos da Paz para evitarem o alistamento militar.

Outra ação do governo americano que é abordada no filme é a Aliança para o Progresso, voltada para o desenvolvimento econômico da América Latina, que correu paralelamente ao trabalho dos voluntários dos Corpos da Paz. “Eu assisti a uma palestra de um professor, autor de um livro sobre a Aliança para o Progresso, que disse que se investiu mais na América Latina que no Plano Marshall, o plano que reconstruiu a Europa no pós-Guerra. Mas parece que esse dinheiro não ficou por aqui, esse é um dos problemas. Para aonde foi esse dinheiro? Como é que esse dinheiro foi investido? A ideia do filme é mapear esses voluntários e entender o contexto da vida deles, que era muito maior que suas vontade e que envolvia essas políticas”, afirma. (JC)

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