Governo tenta barrar bomba fiscal de R$ 11 bi com inclusão de municípios na desoneração da folha de pagamentos

 

A equipe econômica trabalha para barrar a votação de uma medida que reduz a contribuição previdenciária que as prefeituras pagam na folha de salário dos seus servidores. A desoneração foi incluída pelo senador Angelo Coronel (PSD) no projeto de lei que prorroga por quatro anos a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. O custo da redução de tributos para as prefeituras pode chegar até R$ 11 bilhões aos cofres públicos.

Os valores colocaram em alerta a equipe econômica, que agora trabalha para adiar a todo o custo a votação do texto, o que quase ocorreu na semana passada, em uma sessão marcada por forte pressão de prefeitos e sindicalistas.

A medida é considerada um grande “jabuti” pelo governo, com a previsão de perda de receita no momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trabalha para aumentar a arrecadação e cortar renúncias fiscais como benefícios tributários para atingir as metas do novo arcabouço fiscal. Pela nova regra, o governo só pode gastar mais se a arrecadação também aumentar.

O governo considera que a discussão do projeto só deveria ser feita no segundo semestre, no âmbito da reforma tributária. Pela emenda do senador Angelo Coronel, relator do projeto, a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha das prefeituras cairia de 20% para 8% para municípios com população até 142,6 mil habitantes.

Coronel decidiu incluir 3 mil municípios no programa que reduz a contribuição previdenciária de empregadores. A proposta tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Custos

O parlamentar estima que a conta da desoneração dos municípios chegue a R$ 9 bilhões por ano. É um valor parecido com o cálculo de economistas do mercado financeiro. Já a Confederação Nacional de Municípios estima o valor em R$ 11 bilhões.

O relatório só não foi aprovado porque, em cima da hora, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), pediu vistas (adiamento), alegando que precisa unificar a posição governista sobre o tema. Representante do Ministério da Fazenda na sessão, a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, defendeu que o tema esperasse pela reforma tributária. O argumento não agrada aos políticos, nem aos setores originalmente atendidos.

O projeto de lei foi proposto em fevereiro pelo senador Efraim Filho (União-PB) com o objetivo de estender a desoneração da folha a 17 setores da economia, escolhidos por serem intensivos em mão de obra, como call center e comunicações. O benefício tributário expira em 31 de dezembro e, por isso, setores atendidos mobilizam parlamentares. O custo da extensão da desoneração para esses 17 setores foi estimado pela Receita Federal em R$ 9,4 bilhões.

O relator diz, em seu parecer, que as prefeituras que se enquadram na desoneração são as que têm população pequena, com arredação insuficiente para bancar suas próprias contas — e, por isso, são dependentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essas prefeituras, segundo o relator, precisam de recursos para bancar serviços à população. Na defesa da medida, ele diz que as prefeituras usam de forma intensiva a mão de obra, principalmente de profissionais da saúde e da educação.

Ele incluiu até o Bolsa Família em seus argumentos. O relator argumentou que em 13 Estados há mais adultos beneficiários do programa do que trabalhadores com carteira assinada, e a medida ajuda a empregar mais.

“Não há impacto fiscal ao setor público, pois se trata de um aperfeiçoamento do pacto federativo – a União deixa de arrecadar a contribuição dos municípios, tendo efeito líquido neutro ao setor público”, afirma seu relatório.

Ao Estadão, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, disse que os municípios têm uma dívida de R$ 190,43 bilhões com a Previdência. “É impagável nem daqui a 3 milhões de anos”, afirmou. O presidente da CNM diz que a economia seria aplicada em saúde, educação, obras, saneamento, geração de emprego e renda e proteção social.

Colega de partido e de Estado de Ângelo Coronel, o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), afirma que o governo não deveria tratar pequenas cidades com grandes capitais, como São Paulo ou Florianópolis.

“Melhor para o governo receber menos do que não receber nada”, afirma. “Se diminuir a contribuição, todos irão pagar, porque o texto do Coronel estipula como compulsório o pagamento, com base no desconto dos repasses do FPM”.

No dia da sessão que quase selou o destino do texto, uma legião de prefeitos baianos encheu a sala e aplaudiu cada fala em defesa do projeto. Neste cenário e com uma eleição municipal à vista, em 2024, nenhum senador levantou ressalvas ao projeto. Mesmo Jaques Wagner, a quem coube paralisar a votação, disse reconhecer o mérito do pedido das prefeituras.

Governistas afirmam que a lista de tarefas na CAE nas próximas semanas pode ajudar a Fazenda a ganhar tempo, uma vez que estão na fila o arcabouço fiscal e a sabatina dos indicados por Lula ao Banco Central. Ainda assim, não veem clima político para barrar a iniciativa das prefeituras.

Procurado desde quarta-feira, o ministério da Fazenda não retornou.

Entenda o que é a desoneração da folha de pagamento

A desoneração da folha de pagamentos foi criada em 2011, durante o governo Dilma Rousseff, para diminuir a carga tributária de alguns setores. A medida começou com poucos setores beneficiados, foi crescendo e, depois, o governo começou a reduzir o número de contemplados, pelo custo elevado da desoneração. Sobraram 17 setores, que hoje contam com o benefício tributário.

A desoneração consiste na substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento pela contribuição sobre a receita bruta da empresa – uma medida que beneficia empresas que empregam mais. Ela permite às empresas dos setores beneficiados pagarem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários.

Em dezembro de 2021, o Congresso prorrogou por mais dois anos a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia até dezembro de 2023. Agora, o projeto estende o benefício por mais quatro anos, até 31 de dezembro de 2027. Como forma de compensação pela prorrogação da desoneração, o projeto prevê também a prorrogação do aumento em 1% da alíquota da Cofins-Importação até dezembro de 2027, estimada em R$ 2,4 bilhões.

O custo da medida com a desoneração foi estimado pela Receita Federal em R$ 9,4 bilhões. O relator diz que os impactos positivos sobre o mercado de trabalho, emprego e renda da medida superam R$ 10 bilhões e compensaria o custo. Nessa conta, o relator considera o acréscimo de mais de 620 mil empregos dos 17 setores desonerados em 2022 e o crescimento de receitas e impostos e contribuições.

Veja os setores desonerados: calçados, comunicação, call centers, serviço de tecnologia da informação, serviço de tecnologia comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

 

Mariana Carneiro/Adriana Fernandes/Estadão

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