Livro visita o passado do Rio com histórias de fantasmas

Livro "Rio, Estado de espírito - Guia dos fantasmas cariocas"
Livro “Rio, Estado de espírito – Guia dos fantasmas cariocas” Foto: Carlos Monteiro / Divulgação
Pedro Zuazo

Sempre que cruza a Rua Primeiro de Março, a diarista Suelina de Oliveira, de 70 anos, evita olhar para o Convento do Carmo. Ela tem medo de ver o fantasma de Dona Maria I, a Louca, que morou no local e, reza a lenda, de vez em quando fica à espreita nos janelões. Não muito distante dali, no Palácio Tiradentes, o segurança Nelson Pereira, de 46 anos, garante que já foram ouvidos passos e outros sons esquisitos, de madrugada, na sede da Assembleia Legislativa.

Palco de importantes acontecimentos históricos do Rio, a Praça Quinze é também um dos locais favoritos dos fantasmas que habitam a cidade. É o que conta o livro “Rio: estado de espírito — Guia dos fantasmas cariocas”. Assinada pelo jornalista Nelson Vasconcelos e ilustrada pelo fotógrafo Carlos Monteiro, a obra conduz o leitor a uma caça aos fantasmas, que serve de pano de fundo para uma viagem ao passado da cidade.

— Caçar fantasmas, na verdade, foi uma boa desculpa para rever e contar um pouco da história do Rio, que é muito rica e tem personagens incríveis — diverte-se Nelson.

Livro
Livro “Rio, Estado de espírito – Guia dos fantasmas cariocas”

Um dos fantasmas perseguidos pela dupla foi o de Bárbara dos Prazeres. Conta a lenda que a portuguesa veio morar no Brasil no século 18 e se apaixonou por um mulato carioca. Para viver sua paixão proibida, assassinou o marido português. Passou a viver com o amante, a quem matou também ao descobrir que era traída. Para ganhar a vida, prostituiu-se no Arco do Teles e, ao envelhecer, envolveu-se com rituais satânicos. Até que sumiu. Mas há quem diga que ela ainda perambula pelo local.

— Quando eu exagero na bebida, eu começo a ver um monte de assombração, mas essa senhora eu nunca vi, não — brinca o ajudante de cozinha Lucas Paulo Teixeira, de 20 anos, que trabalha na região.

O quarteirão é ainda habitado pelas almas de outros personagens ilustres, como Dom Pedro I, Tiradentes e a Imperatriz Leopoldina.

Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé

Foi nessa igreja que a Imperatriz Leopoldina se casou com Dom Pedro, em 1817. O casamento não foi um modelo de felicidade e, por isso mesmo, ainda hoje Leopoldina dá um jeito de circular pelo templo onde seu tormento foi sacralizado.

Convento do Carmo

Ao lado da igreja, está o local onde morou Dona Maria I, a Louca. Com problemas mentais, foi internada no convento logo que chegou ao Brasil e viveu ali por oito anos. Ainda hoje, reza a lenda, há noites em que ela volta a circular pelo convento, sempre xingando em alto e bom som.

Lucas, no Arco dos Teles
Lucas, no Arco dos Teles Foto: Agência O Globo

Arco do Teles

O juiz português Teles de Meneses mandou construir no local alguns prédios que seriam alugados. Para que não bloqueassem o caminho, construiu uma passagem, o Arco do Teles. A área não era mal frequentada até a década de 1790, depois que um incêndio provocou ali mortes e destruição. Uma das almas que ainda frequentam o local seria o da portuguesa Bárbara dos Prazeres.

Museu Histórico Nacional

Originalmente conhecido como Fortaleza de São Tiago, foi o local onde o cadáver de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi esquartejado e salgado, antes de ter partes do corpo espalhadas por diversos pontos, ao longo do caminho do Rio até Ouro Preto. Conta-se que Tiradentes continua dando as caras no museu da Praça Quinze.

Palácio Tiradentes

Está instalado onde antes existia a Cadeia Velha, local no qual Tiradentes ficou confinado antes de ser enforcado. Além do mártir da Inconfidência Mineira, inúmeros condenados que amargaram anos ali ainda voltam para azucrinar os viventes de hoje.

Suelina de Oliveira, no Arco dos Teles
Suelina de Oliveira, no Arco dos Teles Foto: Agência O Globo

Paço Imperial

O local foi o centro político do vice-reino e do império brasileiro. Foi ali que Dom Pedro I protagonizou o Dia do Fico. Também foi onde a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Esses dois são alguns dos fantasmas que, reza a lenda, gostam de passear pela Praça Quinze.

‘Não vejo nada, mas acredito em tudo’

Confira entrevista com Nelson Vasconcelos, jornalista e autor do livro “Rio: estado de espírito”

É um livro sobre história ou sobre fantasmas?

Falar de fantasmas foi uma desculpa para contar histórias verídicas da cidade, que sempre viveu assombrada pelo medo das invasões, pela corrupção dos seus governantes e pelas frequentes reformas urbanas. Os fantasmas reais, se é que existem, são os que menos metem medo no carioca.

O livro foi escrito para quem?

É um livro para quem gosta do Rio e de suas histórias, que são incríveis. Parece um pouco com conversa de botequim, bem-humorado, mas crítico, com informações esquecidas nos livros de pesquisadores sérios. E para quem gosta de fotografia também. Ou seja: um belo presente de Natal. (risos)

Viu algum fantasma durante a produção do livro?

Não vejo nada, mas acredito em tudo. O carioca é assim. Já o outro autor, o fotógrafo Carlos Monteiro, diz que sentiu a presença de pessoas, viu alguns vultos… Mas não fotografou nada disso. Os vigias dos museus e dos teatros é que são bons em perceber essas manifestações do além. Parece que fantasmas só gostam mesmo é de viver na madrugada.

Qual história de fantasma mais surpreendeu você?

Gosto muito da Bárbara dos Prazeres, que viveu na área da Praça Quinze no século 18. Era uma portuguesa muito bonita, que matou o marido, fez fama na prostituição, ficou rica, envelheceu, perdeu tudo, se meteu com bruxaria pesada, sumiu na vida, mas, dizem, de vez em quando aparece ali no Arco do Teles. É o que dizem… Não duvido de mais nada.

Quais foram as fontes para as histórias do livro?

Livros, livros, livros e muitas conversas com outros cariocas.

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