Morre o crítico literário Antonio Candido, aos 98 anos

Vencedor de prêmios como o Jabuti e o Camões estava internado em São Paulo

POR O GLOBO

O estudioso e crítico Antonio Candido de Mello e Souza – André Gomes de Melo / Reprodução Ministério da Cultura

Por sua obra, Candido venceu quatro vezes o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, por “Formação da literatura brasileira” (1960), “Os parceiros do Rio Bonito” (1965), de poesias, e “Brigada ligeira e outros escritos” (1993), reunindo ensaios. Em 1966, recebeu o Jabuti de personalidade do ano. Em 1998, venceu o prêmio Camões.

Nascido 24 de julho de 1918, Antonio Candido de Mello e Souza era filho do médico Aristides Candido de Mello e Souza e de Clarisse Tolentino de Mello e Souza. Natural do Rio de Janeiro, pouco tempo viveu na então capital federal. Neto de barões do Império, descendente de uma tradicional família do interior de Minas Gerais, morou dos 3 aos 10 anos de idade na mineira Santa Rita de Cássia. Dos 10 aos 12 anos, viveu na França e, passando um verão em Berlim, pôde sentir, através de seu olhar de menino, a ascensão das forças nazistas.

Chegou a prestar exame para a faculdade de medicina antes de ingressar, em 1939, nos cursos de Direito e Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). Nessa mesma época, em 1940, estreou na imprensa no exercício da crítica literária, na revista “Clima”.

A linguagem fluente e a visão aguda fizeram com que rapidamente, somente três anos depois, fosse contratado para assinar críticas “de rodapé” na “Folha da Manhã” (atual “Folha de S. Paulo”) e, em seguida, no “Diário de S. Paulo”. Desde o início, seus textos se caracterizaram pela clareza — assim como o dos modernistas do período, que cultivavam o coloquialismo —, embora, diferentemente destes, Candido pertencesse às primeiras gerações de formação universitária na área de ciências humanas no país, identificado com um estilo de raciocínio estético então novo no país.

Foi um intelectual que transitou, como poucos no país, entre esses dois universos — o da clareza exigida no cotidiano jornalístico e o da profundidade acadêmica —, tendo consolidado em sua obra, sobretudo no clássico “A formação da literatura brasileira”, de 1957, conceitos fundamentais para se entender não apenas a literatura brasileira, como para aprofundar as interpretações sobre a cultura nacional. A crítica e o trabalho teórico de Candido se beneficiaram de sua dupla formação, na área de Ciências Sociais e na de Letras.

Em 1936, foi estudar em São Paulo e, nos anos 1940, os primeiros de sua carreira, formou um primeiro conjunto de estudos nos quais, de acordo com o crítico Roberto Schwarz, os mais de 150 trabalhos publicados na imprensa “são unidos pelo propósito militante de ampliar a compreensão da atualidade”.

Em 1945, publica o seu primeiro livro, “Brigada ligeira”, no qual reúne artigos da coluna semanal Notas de Crítica Literária, da “Folha da Manhã”. A coletânea retrata a literatura brasileira daquela década, com, entre outros, um ensaio sobre Oswald de Andrade e artigos sobre autores então desconhecidos, a quem Candido saudou a estreia, como Clarice Lispector, com “Perto do coração selvagem”, Fernando Sabino, com “A marca”, e o poeta João Cabral de Melo Neto.

A década de 1940 foi o período de maior engajamento na vida do crítico, que já trabalhava, então, como professor assistente de Sociologia na Universidade de São Paulo (USP). Na primeira metade daquela década, Candido se empenhou na oposição ao Estado Novo e foi segundo secretário da sessão paulista da primeira diretoria da Associação Brasileira de Escritores, fundada em 1942. A organização arregimentou intelectuais contra a ditadura e, em 1945, realizou o histórico 1º Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, marcando posição contra o governo vigente. Candido era o membro mais jovem da delegação paulista.

Paralelamente às atividades jornalística e política, defendeu em 1945 a tese “O método crítico em Sílvio Romero”, sobre o crítico literário que estabeleceu, em sua monumental obra, segundo Candido, “o cânon” da literarura brasileira. Com o trabalho, obteve o título de livre-docente e começou a abrir caminho para sua transferência para ser aceito como professor do curso de Letras, que era o seu objetivo. Mas não deixou de colaborar com a imprensa e, nos anos 1950 — decisivos em sua carreira —, elaborou o projeto do Suplemento Literário lançado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.

A passagem para a área de Letras só viria a acontecer em 1958, quando se tornou professor de literatura brasileira da Faculdade de Assis, atualmente parte da Universidade Estadual Paulista, no interior do estado de São Paulo, e já tinha publicado sua obra máxima, “Formação da literatura brasileira”.

No prefácio do clássico, Candido faz uma célebre declaração sobre a literatura brasileira, que, segundo disse, “é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas… Os que se nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e falta de senso de proporções. Estamos fadados, pois, a depender da experiência de outras letras, o que pode levar ao desinteresse e até menoscabo das nossas. Este livro procura apresentá-las, nas fases normativas, de modo a combater semelhante erro”.

Diz ele ainda: “Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem”.

A obra é tão profunda em sua tentativa de revelar os caminhos de formação literária do Brasil quanto os clássicos de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda na busca das raízes da brasilidade. De acordo com Candido, o livro busca reconstituir a história dos brasileiros no seu desejo de terem uma literatura. A crítica, ao observar a aliança entre esforço artístico e missão nacional, realiza a análise interna das obras literárias, assim como salienta seu papel do ponto de vista da cultural nacional.

Para Candido, a crítica equilibrada era a que atenta aos aspectos estéticos, assim como ao conteúdo do texto, levando em conta “o sistema”, do qual fazem parte autor, obra e público. Ele mostrava como a originalidade é “a ilusão dos parvos” e identificava o caráter empenhado da literatura brasileira, com um sentimento de missão que faz dos artistas brasileiros “delegados da realidade”. Sua visão, porém, segundo o próprio crítico, não pretendia ser impositiva, “mas apenas um dos modos possíveis de encarar a contradição entre histórico e estético, fundindo-os dialeticamente no conceito de sistema”.

Candido foi casado com a filósofa, crítica literária e ensaísta Gilda de Mello e Souza (1919-2005), com quem teve três filhas, Ana Luísa, Laura e Marina.

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