Mulher de 102 anos sai da pobreza e vira comerciante

Maria (sentada) com, da esquerda para a direita, a neta Márcia, a filha Maria, a bisneta Lidiane e a filha Natividade
Maria (sentada) com, da esquerda para a direita, a neta Márcia, a filha Maria, a bisneta Lidiane e a filha Natividade 
Marina Navarro Lins

Tem de tudo na Barraca da Vovó. Empadinha de frango, balas, sacos de arroz e pasta de dente. Por trás da grade que separa a vendinha da rua, aparece o rosto pouco enrugado e os cabelos brancos de Maria do Carmo Passos. Ela tem 102 anos na carteira de identidade, mas conta que tirou o documento tarde e, na verdade, completa 110 em dezembro. Vovó comanda o negócio, que fica numa casinha amarela no bairro Santa Inês, em Japeri, na Baixada Fluminense, ao lado das filhas de 84 e 72 anos. Apesar da idade avançada e de nunca ter estudado, ela não erra no troco nem se deixa enganar por espertinhos. O jeito para o comércio a fez transformar um barraco em duas casas confortáveis e a ajudar no sustento dos sete filhos, 20 netos, e de tantos bisnetos que já perdeu a conta.

— Aqui não tem crise — garante a idosa que, analfabeta, dá, com seu exemplo, uma lição de sobrevivência.

O armazém Barraca da Vovó sustenta a grande família
O armazém Barraca da Vovó sustenta a grande família 

A força para enfrentar as adversidades a levou a virar a mulher mais velha da cidade com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — indicador que considera níveis de longevidade, renda e educação da população — no estado.

— Quando cheguei a Japeri, há 30 anos, passei por oito enchentes e perdi tudo. Fiquei doente de tanto ficar debaixo d’água. Uma noite, sonhei que Deus falava comigo: se eu quisesse ficar boa, teria que montar uma barraca de balas. Obedeci e, logo depois, um sujeito que conhecia me ajudou a construir um armazém — lembra.

Maria do Carmo Passos completa 110 anos em dezembro
Maria do Carmo Passos completa 110 anos em dezembro 

Vovó Maria nasceu em Minas Gerais e, aos 7 anos, mudou-se com a família para Cantagalo, no interior do Rio. Foi quando tirou o primeiro documento. Trabalhou na roça e se casou aos 14. O marido morreu 15 anos depois e a deixou com sete filhos, um ainda na barriga.

— Tive que trabalhar como empregada doméstica na capital. Morei no Buraco Quente, na Mangueira, e depois ganhei um terreno da prefeitura na comunidade Céu Azul, no Engenho Novo. Lá, montei uma pensão. Após um mês, não tinha mais espaço para tanto cliente na hora do almoço —conta.

A matriarca recebe beijos das filhas Maria e Natividade, da neta Márcia e da bisneta Lidiane
A matriarca recebe beijos das filhas Maria e Natividade, da neta Márcia e da bisneta Lidiane 

Quando perdeu a caçula, a dona da pensão ficou desgostosa. Largou tudo e foi buscar pouso nos confins da Baixada. Ao lado da família, teve que começar a lutar novamente. História de tantas Marias…

A idosa mostra sua coleção de bonecas bem cuidadas
A idosa mostra sua coleção de bonecas bem cuidadas 

Nos pés da cama da Vovó Maria, mais de dez bonecas descansam no sofá. Todas estão bem penteadas, vestem roupas costuradas pela idosa e cheiram a perfume. Elas foram arrumadas assim para o último Natal.

— As crianças da família ganham as bonecas e deixam de lado. Então, minha avó pega e arruma. Sempre que tem festa, nos obriga a dar banho em todas elas e a vestir uma roupa nova em cada uma. São a paixão da vovó — conta a neta Márcia Santiago, de 49 anos.

Vovó Maria comemorou os 109 anos com uma festa
Vovó Maria comemorou os 109 anos com uma festa 

Nos eventos, Maria come pouco. Cansou de todos os tipos de carne e, só de vez em quando, experimenta um pedaço de rabada. Evangélica fervorosa, ela não bebe nem fuma. Em dezembro, ganhou uma festa de 109 anos com direito a bolo, docinhos e a presença da numerosa família, que não para de crescer. Já são oito tataranetos.

— Ela caminha lentamente com um andador e não pede a ajuda de ninguém. Sempre foi muito forte e independente. Nunca a vejo triste. Quando está aborrecida, resolve logo o problema. É a nossa matriarca — afirma a filha Natividade do Carmo Rosa, de 84.

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