Por menção a família de juiz, Sérgio Cabral é enviado para prisão federal

Por Sérgio Rodas

Pelo fato de o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) ter mencionado que a família do juiz federal Marcelo Bretas é dona de uma empresa de bijuterias, o magistrado determinou a transferência do político para um presídio federal. De acordo com Bretas, a fala de Cabral pode ser entendida como uma ameaça e mostra que ele está tendo acesso a informações indevidas na cadeia de Benfica, onde está.

Juiz federal Marcelo Bretas entendeu declaração de Sérgio Cabral como ameaça.
Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Em depoimento nesta segunda-feira (23/10), Cabral negou ter lavado dinheiro de propina comprando joias – disse que adquiriu os artefatos com sobras de campanha – e mencionou que o juiz, por ter família que atua no ramo, deveria saber que a operação é impossível.

“Não se lava dinheiro comprando joias. Vossa excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto, porque sua família mexe com bijuterias. Se eu não me engano, é a maior empresa de bijuterias do estado”, declarou o ex-governador, citando informação publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no começo de setembro.

Bretas então ordenou que o réu respondesse as perguntas. Após Cabral dizer que “trabalhou pelo estado do Rio”, o juiz federal apontou que ele estava querendo criar “o discurso de injustiçado”. O peemedebista rebateu: “É meu direito dizer que sou injustiçado. O senhor está encontrando em mim uma possibilidade de gerar uma projeção pessoal e me fazendo um calvário”.

Marcelo Bretas mostrou que não havia engolido a menção aos negócios de sua família. “Não recebi com bons olhos o interesse manifestado do acusado de informar que minha família trabalha com bijuteria. Esse é o tipo de coisa que pode sublinarmente ser entendida como algum tipo de ameaça”. Sérgio Cabral ironizou: “Ameaça? Já estou preso”.

Mas o procurador da República Sergio Pinel entendeu que o comentário do ex-governador mostra que ele tem acesso a informações privilegiadas dentro da cadeia. Por isso, pediu sua transferência para um presídio federal.

“O que levou o Ministério Público Federal a requerer a transferência de Sérgio Cabral foi uma afirmação no seu interrogatório de que teria obtido na prisão informações a respeito da vida da família do magistrado. Isto o MPF acha que é muito grave. A prisão não tem sido suficiente para afastar o réu de informações de fora da cadeia e levou a pedir sua transferência”, explicou Pinel.

Ao julgar o requerimento, Bretas destacou ser, no mínimo, “suspeito” que Cabral leve ao juízo “a informação de que acompanha talvez a rotina da família do magistrado”. Isso leva a crer, segundo o magistrado, que “aparentemente, ele tem acesso privilegiado a informações que talvez não devesse ter”. E mais: a fala, a seu ver, pode representar ameaça e tentativa de obstrução de justiça.

“Será possível que isso aqui representou algum tipo de ameaça velada? Eu não sei. É inusual. De fato é. Bom, o fato é que como, seja por, ainda que levemente ou sutilmente, existir a possibilidade de que se esteja tentando de alguma forma obstaculizar ou impedir que prossigam os trabalhos, seja por demonstração de que a segurança ou o controle na custódia não é tão efetivo assim, não está funcionando. Eu concordo com a preocupação do Ministério Público”, avaliou o juiz federal, ao determinar a transferência de Sérgio Cabral para um presídio federal, para detentos particularmente perigosos.

Medida criticada
O advogado Rodrigo Roca, que defende Cabral, considerou a decisão “arbitrária e ilegal”. Ele disse que vai recorrer, pois o despacho representa cerceamento à defesa.

Advogados que acompanham o caso têm visão semelhante. O jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, opina que Sérgio Cabral se portou de forma inadequada, mas isso não justifica a sua transferência para presídio federal: “Foi como se o juiz tivesse levado para o lado pessoal”. Além disso, Streck entende que Bretas pode ser considerado impedido ou suspeito para determinar tal ato.

“Para fazer uma invasão nos direitos do réu, deve haver o devido processo legal. E caímos em um paradoxo: se é válida a decisão, então o juiz seria impedido ou suspeito, já que a questão ventilada pelo réu Cabral dizia respeito a família do juiz. Ou seja, à luz de uma análise ligico-sistêmica, se o juiz está certo, então errou. Porque a correção se dá pelo teor da informação. E este teor o torna suspeito. Afinal, o réu – mesmo que tenha obtido a informação de forma indevida – usou-a”, afirmou o jurista.

Já o criminalista Antonio Pedro Melchior ressaltou que a mera menção à família do juiz, ainda que de forma depreciativa, não indica que Cabral traz grave risco à segurança pública na penitenciária de Benfica.

“Esta fundamentação aparentemente revela uma manifestação arbitrária de poder, cuja legalidade deve ser questionada”, disse Melchior, citando que não há controle rígido sobre a inclusão e transferência de presos para cadeias federais.

Outro advogado ouvido pela ConJur classificou a decisão de Bretas de “exercício arbitrário das próprias razões”. “O juiz se ofendeu e mandou o réu para castigo”.

Duras penas
Sérgio Cabral já foi condenado a 72 anos e 4 meses de prisão na operação “lava jato”. Ele foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, a 45 anos e 2 meses na primeira sentença de Marcelo Bretas — esta, a maior pena imposta em primeira instância na operação “lava jato” — e a 13 anos na segunda, proferida na última sexta-feira (20/10).

Além disso, o ex-governador do Rio é réu em outros 14 processos. Com informações da Agência Brasil.

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