Presos participam de aulão de preparação para a prova do Enem

Felipe*, 29 anos, condenado por assinar a amante a facadas. É dele a maior nota, 920 pontos, de todas as redações escritas pelos 890 presidiários que participaram do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL), no ano de 2015, na Bahia. Preso há um ano no Presídio Salvador (PS), no Complexo Penitenciário da Mata Escura, Felipe conseguiu uma vaga para estudar letras na Universidade Federal da Bahia (Ufba), se matriculou e aguarda uma liberação judicial. Além de Felipe, outros três presos conseguiram aprovação no Enem 2015; um deles também aguarda a liberação da justiça e os outros dois foram liberados e estão frequentando as aulas. Na manhã desta sexta-feira (16), 31 presidiários em regime provisório, do PS, assistiram ao Aulão de Preparação do Enem, promovido pela Superintendência Executiva de Administração Penitenciária (Seap), e têm a chance de dar o primeiro passo para construir novos objetivos para o futuro.

Alunos recebem certificado de participação em Olimpíada de Matemática
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Entretanto, para conquistar o direito de sair do presídio e assistir às aulas na universidade, se aprovados no exame, os presos têm um grande caminho jurídico a percorrer. É o que explica o superintendente de Ressocialização da Seap, Luiz Antônio Fonseca. “A lei fala que para poder sair da unidade prisional, o indivíduo precisa estar em regime aberto ou semi aberto”. No caso de Felipe, que está em regime fechado, não existe garantia de que algum dia ele vai ocupar sua vaga na Ufba. Para Luiz Antônio, garantir o direito à educação é tentar devolver aos presos valores éticos e morais perdidos. “Essa é uma luta que assumimos. Vamos levar os casos ao Tribunal de Justiça (TJ) e, se necessário, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) porque acreditamos que, de alguma maneira legal, essas pessoas merecem essa chance de reestruturação social”, pontuou. De acordo com Luiz, não há registros de casos de presos que conseguiram a liberação no Brasil.

Enquanto aguarda a decisão da justiça, Felipe trabalha em uma fábrica de plásticos do Complexo da Mata Escura. “É o lugar que mais se aproxima da liberdade. A gente consegue ser útil em alguma coisa e não precisa usar algemas”, afirmou ele, que antes de ser preso estudava Redes de Computadores em uma universidade particular. Com o sonho de sair da cadeia, o ex estudante diz que não pretende esquecer o período de reclusão, pois a prisão, segundo ele, é um lugar que faz com que as pessoas reflitam os próprios erros e passem a dar mais valor à liberdade. “Todos merecem uma segunda chance e o estudo pode ajudar muito a gente. Quando soube que tomei uma boa nota no Enem foi incrível, vi ali um motivo para tentar recomeçar”, completou Felipe, que a cada três dias de trabalho consegue diminuir em um dia a sua pena – direito previsto pela Lei de Execução Penal desde 2011.

Luiz Antônio, superintendente da Seap
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Aulas e preparação
Dos 995 homens presos no Presídio Salvador, 31 querem participar do Enem e se preparam assistindo às aulas regulares de português, matématica, história, geografica, química e física da Escola Penitenciária Estadual Professor George Fragoso Modesto, que tem bases instaladas em todas as unidades prisionais do Complexo de Mata Escura. Com 1180 alunos matriculados, a escola tem regime de Educação para Jovens e Adultos (EJA) e oferece aulas regulares, em três turnos, de segunda a sexta feira. Junto à Secretaria Estadual de Educação, a unidade promove seminários e palestras que preparam os 50 professores que dão aulas na prisão. Também previsto pela lei de Execução Penal desde 2011, a cada 12 horas de aulas assistidas, os presos têm um dia abatido do total da pena. Recluso em medida provisória há 11 meses, acusado de homicídio, Antônio de Jesus Oliveira, 39, divide a cela com seis presos e garante que assistir às aulas é a única coisa boa da prisão. “Estudar é a única coisa boa aqui, sinceramente. A rotina é difícil, complicada”, enfatiza.

Antônio disse que decidiu fazer o Enem porque acredita no nível superior como uma ponte para a mudança. “Tenho o segundo grau completo e quero me formar sociólogo. Merecer viver em sociedade”. De acordo com a diretora da Escola Penitenciária, Maria das Graças Barreto, a partir desse mês os alunos passam a ter aulas intensivas de preparação para o exame, além das aulas regulares. Ainda segundo Maria, a cada ano o número de interessados no Enem aumenta – o que ela atribui à possibilidade que os presos veem de tentar resgatar a própria dignidade. É o que diz Jorge Santos, 29, que está preso em medida provisória há quatro meses, suspeito de associação ao tráfico de drogas. “Resolvi frequentar a escola aqui e fazer o Enem para expandir a mente. Um dia quero fazer faculdade de administração”, disse. Caso obtenha uma boa nota, Jorge pretende usar para concluir o ensino médio. Ele acredita que é possível pensar na reestruturação social de uma pessoa pós reclusão. “Cada caso é um caso, mas primeiro você tem que querer. Quero recuperar minha vida enquanto há tempo”.

(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Há um ano dando aulas de português aos presos de Mata Escura, o professor Paulo Viana, 54, afirmou que a experiência é enriquecedora. Nas salas de aula há 37 anos, ele avalia que os presos demonstram interesse em aprender. “Extremamente atenciosos, me surpreendi. São bastante respeitosos conosco, tem horas que você não acredita que eles são suspeitos de terem cometido crimes”, revelou. Paulo disse, ainda, que profissionais da educação deveriam encarar como uma obrigação atuar na reestruturação social de presidiários e ex-presidiários. O diretor geral do PS, Paulo Roberto Cupertino, revelou que a incidência de presos interessados em estudar aumentou na mesma proporção em que os problemas de violência diminuíram. “Está diretamente ligado. De 2000 a 2007 a gente tinha até histórico de rebeliões, atualmente, problemas desse teor são bem pontuais”, ponderou.

Faz quatro meses que Neilton Oliveira, 24, entrou algemado na prisão. Preso em regime provisório, suspeito de participação em um latrocínio, ele revela que a sensação de estar preso se compara à de perder um parente. “Foi como quando minha avó morreu, muito ruim”. Filho único, Neilton disse que antes de ser preso trabalhava há cinco anos como atendente em uma farmácia, o que teria motivado a escolha por fazer um curso superior na mesma área. “Eu estava já no 4º semestre, quero concluir e me formar logo. Minha mãe sonha em ir na minha formatura”, lembrou. E completou. “Meu maior sonho é sair daqui e estar perto da minha família de novo, meu segundo maior sonho é terminar minha faculdade. Vou fazer o Enem por isso, quem sabe passar na Ufba”, finalizou.

As inscrições para o Enem PPL serão abertas até o fim do mês de setembro e as provas serão realizadas em dezembro, dentro dos complexos prisionais. Todo processo de inscrição é realizado pelo Ministério da Justiça, com o auxílio das unidades prisionais – que viabilizam toda documentação necessária dos presos.

*Felipe é um nome fictício dado ao presidiário que não autorizou sua identificação.

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