Proibir ‘saidinha’ é péssima medida para um sistema estressado, diz deputado Pedro Paulo

 

Defensor de um debate amplo sobre o sistema que beneficia presos no Brasil em progressão de cumprimento de pena, o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) pretende apresentar, mais uma vez, um projeto que modifica a “saidinha”, mas não restringe praticamente por completo o instituto, como o Congresso Nacional deve fazer nesta quarta-feira, 24, ao derrubar veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à proposta que proíbe a saída de presos em datas especiais, como Dia das Mães.

A legislação que vigorará a partir desta semana é, na visão do parlamentar, prejudicial para a sociedade. “Precisamos fazer uma discussão sem paixões e produzir boa legislação com efetividade. Estamos na contramão e entregando uma péssima legislação para um sistema já bastante estressado e que vai tender mais ao conflito com uma medida dessa”, disse em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, nesta terça-feira, 23. Pedro Paulo disse ainda que o assunto deve acabar nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por se tratar de uma medida que vai na contramão de decisões humanitárias.

O parlamentar citou ainda dados de São Paulo sobre saidinha do fim do ano passado, quando 35 mil deixaram os presídios para as comemorações do Natal. “Quando se olha, em São Paulo, quem cometeu pequeno delito, um furto, dirigir embriagado, algum tipo de delito, é 0,23%, ou seja, 81 (presos) daqueles mais de 30 mil que tiveram direito (de sair dos presídios). Uma ínfima minoria, que pode ser reduzida a zero, se tiver monitoramento, exame criminológico, algum tipo de endurecimento da pena de um delito”, disse.

Leia abaixo a entrevista:

O senhor acredita que o veto presidencial será derrubado pelo Congresso?

A impressão que a gente tem é que, mesmo com o veto do presidente, posicionamento do ministro (da Justiça e Segurança Pública, Ricardo) Lewandowski ajudando nos esclarecimentos sobre o que foi vetado (o trecho que proíbe a saidinha para visitar a família em datas comemorativas), a importância da saída temporária com instrumento de ressocialização, tentando manter a saída para visitar a família, eles fizeram estratégia de chamar por esse ponto do lado cristão, respeito à Constituição, mesmo assim eu acredito que o veto deva ser derrubado.

Essa mudança na legislação pode acabar no STF?

Sim, porque todas as decisões do Supremo vão na direção da questão da humanidade, questão da superlotação dos presídios, da quebra do direito de quem está progredindo no sistema e tem saída temporária até como incentivo ao bom comportamento. Então, acredito sim que vai ser judicializado e enfrentado no Supremo.

O senhor apresentou um projeto sobre o assunto em 2011, que foi desfigurado. O senhor pretende apresentar outro projeto?

Vou apresentar um projeto para buscar restabelecer a visitação à família, porque acredito que não se pode se perder o instituto da ressocialização. Dentro desse projeto, trazer a questão da tornozeleira eletrônica. E um ponto importante é sobre estatística, que tem muito problema na base de dados, que possa entender melhor os problemas do sistema.

E ainda o prazo de validade do exame criminológico, porque o projeto que estamos aprovando aqui, o exame passa a ser obrigatório para qualquer progressão de pena, diferente do que era minha proposta original, que era exame para concessão da saída temporária. Então, que ao menos tenha na saída temporária um prazo de validade desses exames.

Por exemplo, se ele (detento) fez há mais de dois anos, seja refeito para autorizar a saída. Minhas propostas vão na direção sempre no aperfeiçoamento do critério, mas não o fim do benefício. Até proponho critérios mais específicos, rigorosos, mas a manutenção do benefício. É importante separar quem é contra e quem é a favor de aperfeiçoar e não acabar com esse instituto.

O senhor sempre cita que os índices de criminalidade para os beneficiários do programa são baixos para definir o fim das saidinhas…

Por isso que na nova proposta vem a obrigatoriedade de divulgação das estatísticas, porque ela permite avaliações mais racionais sem paixão ideológica de direita e esquerda, sem punitivismo penal, sem vingança na produção legislativa. Então, quando se olha o dado disponível em São Paulo, no último Natal (2023), foram 35 mil saídas e 3 mil descumpriram o prazo, o que pode estar incluído o sujeito que voltou um pouco depois. Mesmo quando volta depois, ele perde o direito de progressão da pena, inclusive tem agravada sua pena, não tem mais saída temporária. Quando se olha, em São Paulo, quem cometeu pequeno delito, um furto, dirigir embriagado, algum tipo de delito, é 0,23%, ou seja, 81 (presos) daqueles mais de 30 mil tiveram direito (de sair dos presídios). Uma ínfima minoria, que pode ser reduzida a zero, se tiver monitoramento, exame criminológico, algum tipo de endurecimento da pena de um delito, pode-se reduzir a zero.

A maioria dos beneficiários estão no regime semiaberto?

Estão há anos no sistema, tinham um incentivo ao bom comportamento. Nós que não somos presos, a gente faz planos de viajar com a família, conhecer um outro Estado, outro País, visitar um ente querido, vive-se fazendo planos para férias, feriados. A pessoa que está no sistema prisional também utiliza saída temporária como incentivo para planejamento da vida dele. “Na saída que terei no Natal, além de estar com minha família, eu vou no dentista, vou conversar com meu filho, ver como ele está na escola”. Minha preocupação é que 650 mil presos, se não morrerem, voltarão à sociedade. Estamos falando da terceira população carcerária do planeta e de um sistema que, ninguém tem dúvida, não tem melhores condições para que os presos cumpram a pena, como presídios superlotados, e você quebra a regra, suprime esse direito de uma hora para outra, não tenho dúvida que é uma medida que estressa o sistema.

Acabar com a saidinha pode acarretar em revoltas ou rebeliões?

A saída temporária é um incentivo, além da disciplina dentro da unidade prisional, também é uma medida que a pessoa olha e vai continuar progredindo. Não me parece inteligente, por vingança, suprimir esse direito como se isso fosse produzir algum tipo de melhoria nos índices de segurança pública. Ao contrário, você tira um direito agora, de um mecanismo que melhora condição de retorno do presidiário, e está empurrando para frente, porque ele (preso) vai voltar para o convívio com a sociedade. Tem aquela desculpa de “ele vai sair para estudo e trabalho”, mas e a família? Laço familiar é decisivo. Você não vive só de estudo e trabalho. Então, estamos na contramão daquilo que seria uma boa medida para melhorar o sistema prisional por simplesmente essa sede de legislar por vingança.

É bastante temerária a decisão e uma pena que o Congresso caminhe nesse sentido sem olhar fundo as questões. Está muito polarizado esse debate entre quem vota a favor da saidinha é de esquerda e quem vota contra a saidinha é de direita. É um erro. A saída foi instituída na Ditadura Militar (em 1984), de direita. É constataram que o sistema prisional estava com problema e que a saída era um mecanismo importante de incentivo ao bom comportamento. Temos que tirar essas paixões ideológicas e olhar aspectos legais, econômicos, de segurança pública, os números. Fazer uma discussão sem paixões e produzir boa legislação com efetividade. Estamos na contramão e entregando uma péssima legislação para um sistema já bastante estressado e que vai tender mais ao conflito com uma medida dessa.

 

Heitor Mazzoco/Estadão

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