Série governadores: Roberto Magalhães

 

Capítulo 11

As eleições em 1982, a primeira no País após a ditadura militar, tinha em Pernambuco um amplo favorito para governador, já considerado o próximo ocupante do Palácio das Princesa – o ex-senador Marcos Freire, do MDB. Boa pinta, discurso fluente, que sacudia as massas, Freire era a mais expressiva liderança de esquerda surgida no Estado, que ocupou o vácuo da ausência de Miguel Arraes exilado na Argélia, apeado do poder pelo golpe de 64.

Os ventos, entretanto, começaram a soprar contra ele quando, num casuísmo atroz, arquitetado pelas lideranças de direita no Congresso, ficou estabelecido o voto vinculado, a criação de sublegendas e a proibição de coligações partidárias. Pelo voto vinculado, o eleitor estava obrigado a escolher candidatos de um mesmo partido para todos os cargos em disputa, sob pena de ter seu voto anulado.

A mudança nas regras do jogo no apagar das luzes fez Roberto Magalhães, o candidato das forças que estavam no poder no Estado, virar o favorito. As eleições foram realizadas em 15 de novembro de 82. Pernambuco foi palco de um dos pleitos mais radicalizados da história do País. Só faltou sangrar, com acusações de toda natureza, intimidações e práticas recorrentes dos porões do regime militar.

O caso mais marcante virou lenda: a mulher de Marcos Freire e o deputado Fernando Lyra, amigo do senador, foram fotografados nus, tentando se proteger das câmaras em um motel de Brasília.

O caso foi parar na campanha numa panfletagem nunca vista na história recente do País. Em sua defesa, Fernando Lyra disse ter sido sequestrado e levado com a mulher de Freire, sob a coação de armas, para o motel. O então SNI tratou de divulgar outra versão: o casal estaria no motel quando os agentes chegaram, arrombaram a porta e os fotografaram. O episódio, evidentemente, teve forte influência para o desfecho das eleições.

Abertas as urnas, Roberto Magalhães (PDS), com Gustavo Krause na vice, teve 913.774 votos e Freire (MDB) 816.085 votos, 52% e 46% dos votos, respectivamente. Marco Maciel, que havia governado o Estado até abril de 82, foi eleito senador da República. As forças conservadoras saíram consagradas emplacando as maiores bancadas entre os 26 deputados federais e 50 estaduais.

“Aceitei ser candidato e fui preparado para perder. Ganhei a eleição. Comecei com pouca intenção de votos no Recife. Terminei com 32,5%, que, para o PDS, era uma coisa extraordinária na capital. Eu me elegi com a força dos votos do Sertão e do Agreste, os votos do interior”, disse, numa entrevista, após a eleição.

Advogado, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1957, com Doutorado na Universidade Federal de Pernambuco, Roberto Magalhães nasceu em Canguaretama, interior do Rio Grande do Norte. Seu tio, o ex-governador Agamenon Magalhães, também governou o Estado, primeiro como interventor, depois eleito, em 1950.

Antes de virar governador, Magalhães assessorou os ex-governadores Cid Sampaio e Eraldo Gueiros. Depois, ingressou na ARENA e foi escolhido, indiretamente, vice-governador em 1978 na chapa de Marco Maciel, a quem seguiu na filiação ao PDS. Com vistas ao pleito de 1982, ambos renunciaram aos mandatos e o Palácio do Campo das Princesas foi ocupado por José Muniz Ramos, então presidente da Assembleia Legislativa.

Voto e trabalho em favor de Tancredo – Assentado no Palácio das Princesas e credenciado pela força do voto, Roberto Magalhães seguiu Marco Maciel na dissidência do PDS nas eleições indiretas para presidente da República, em 1985, apoiando a candidatura de Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf. Em sintonia com Maciel, Magalhães e o governador do Ceará, Gonzaga da Mota, foram os primeiros governadores do PDS no Nordeste a se manifestar pela eleição de Tancredo. Com exceção do paraibano Wilson Braga, que ficou com Maluf, todos votaram com Tancredo. “Quando fui procurado por Tancredo Neves, eu disse à minha bancada de deputados: “Nós vamos fazer o que mais de errado existe em termos de estratégia política, vamos apoiar o adversário”, lembra Magalhães.

Fuga do Major Ferreira – Roberto Magalhães era impetuoso como seu tio Agamenon. Deu bananas para adversários, numa carreata quando prefeito do Recife e candidato à reeleição. Entrou no JC, procurando um jornalista, com revólver na cintura. Como governador, uma das maiores crises que enfrentou foi a fuga do Major Ferreira, responsável pela morte do Procurador da República Pedro Jorge. Major da Polícia Militar de Pernambuco, José Ferreira dos Anjos foi preso pela Polícia Federal em Barreiras (BA), em 1996, 12 anos e dois meses após a fuga. Foi também um dos principais envolvidos na fraude contra a agência do Banco do Brasil em Floresta, entre 1980 e 1981. O caso ficou conhecido como “escândalo da mandioca”.

Autobiografia sem polêmicas – Como advogado, Roberto Magalhães não tinha ambições políticas quando, em 1967, foi convidado pelo então governador Nilo Coelho para assumir a Secretaria de Educação. Depois, foi convidado pelo então deputado federal Marco Maciel, indicado governador, em 1978, para ser seu vice na chapa. Em seu livro de memórias, que levou um ano para escrever as 364 páginas, ele faz um relato da trajetória política iniciada em 1967, entre elas as experiências vividas durante seus mandatos de governador de Pernambuco, prefeito do Recife e deputado federal, além dos cargos de secretário de Educação e Cultura. Não quis entrar nas polêmicas dos bastidores que viveu. Revelou, numa conversa com jornalistas, que não teve a intenção de gerar polêmicas nem criar casos com a publicação.

Estado saneado e obras – Magalhães governou o Estado em céu de brigadeiro. Marco Maciel [antecessor no cargo] não deixou dívidas de empreiteiras, apenas compromissos com empréstimos em moeda estrangeira. O secretário da Fazenda, Luiz Otávio Cavalcanti, seu sobrinho, fez a sua cabeça para assinar um novo empréstimo. “Naquela época, os estados podiam contrair empréstimos em dólar, com bancos estrangeiros, de acordo com a circular 63 do Banco Central. O que nós fazíamos? Quando se aproximava uma prestação semestral, nós tomávamos novo empréstimo e rolávamos. Não pesava no meu orçamento. Com esses dois fatos: Marco Maciel, que não deixou dívida, e às dívidas internacionais que eu rolei, tinha dinheiro para tudo”, destacou, numa entrevista. Entre as principais obras do seu governo, na área hídrica, montou o sistema de abastecimento de água de Botafogo e fez uma adutora em Salgueiro, a 70 quilômetros do Rio São Francisco. Mas lá, perdeu a eleição para o Senado, fato que passou a vida inteira resmungando.

Desilusão motivou seu adeus à vida pública – Em 2010, desapontado com a política, o Congresso Nacional e os rumos tomados pelo País com Lula no poder, Roberto Magalhães encerrou seu último estágio na vida pública como deputado federal. A política de Pernambuco perdeu em definitivo um de seus maiores expoentes nas últimas três décadas. Na condição de ex-governador, ex-prefeito de Recife, deputado federal mais votado do País em 1990, Magalhães refletiu e concluiu que havia chegado a hora de parar. “Tenho dez motivos para sair e não tenho um só para ficar”, chegou a dizer, para acrescentar: “A deterioração da classe política; o cansaço já excessivo para os 76 anos; o estresse inerente ao trabalho político; a perda de importância da ética e a desilusão com a adesão maciça ao lulismo. Esses são apenas alguns dos fatores que me levaram a desistir. A minha decisão decorreu do reconhecimento de que o tempo, os novos costumes políticos e as circunstâncias me indicavam esse caminho. Sem um Legislativo independente e forte, a democracia torna-se uma farsa e abre caminho para o autoritarismo”.

CURTAS

ANÕES DO ORÇAMENTO – Já em Brasília como deputado federal, Roberto Magalhães pegou um pepino: a relatoria do escândalo dos Anões do Orçamento, 37 parlamentares envolvidos em esquemas de fraudes na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional. O relatório final, assinado por ele, foi pela cassação de 18 deles, mas apenas seis perderam seus mandatos. Os envolvidos roubaram mais de R$ 100 milhões públicos, com esquemas de propina, para favorecer governadores, ministros, senadores e deputados. Em 2000, o Supremo Tribunal Federal arquivou o processo contra Ibsen Pinheiro, que retornou à política em 2004, ao eleger-se vereador em Porto Alegre. Em 2006, elegeu-se para a Câmara Federal.

FILHOS FORA DA POLÍTICA – Casado em dezembro de 1965 com Jane Coelho Magalhães Melo, com formação jurídica, pós-graduada em administração e ciência política, Roberto Magalhães não quis filhos envolvidos na vida pública. Carlos André, advogado, ainda ensaiou uma candidatura a deputado, mas desistiu. Entre os filhos, um médico, Roberto Filho. A família é completada pelas filhas Rogéria e Renata. Magalhães foi eleito quatro vezes mandatos de deputado federal (1991/1995, 1995/1997, 2003/2007 e 2007/2011). Foi governador de 1983/1986 e prefeito da cidade do Recife de 1997/2000.

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