Impeachment de Collor na TV teve choro de Marília Gabriela e Casoy aos gritos
Carlos Nascimento em entrada ao vivo no Jornal Nacional de 29 de setembro de 1992
Em 29 de setembro de 1992, mais de 120 milhões de brasileiros assistiram ao vivo pela televisão a votação do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Numa época sem internet e canais de notícias por assinatura, só havia TV aberta. Globo, SBT, Manchete, Record, Bandeirantes, Cultura e Gazeta exibiram toda a votação, ocorrida das 17h20 às 18h45. Nas transmissões, teve de tudo: Marília Gabriela chorando na Band, Alexandre Garcia emocionado na Globo e Boris Casoy aos gritos no SBT.
Naquele dia histórico (como hoje), as emissoras começaram a cobertura logo cedo. O SBT, por exemplo, entrou no ar ao vivo de Brasília a partir das 10h, já com Boris Casoy, que ficou 11 horas no ar. A Globo, a Band e a Manchete exibiram vários flashes desde a manhã e passaram a transmitir initerruptamente do Congresso Nacional a partir do início da tarde. Durante a votação, a Globo liderou com 44 pontos no Ibope de São Paulo _uma marca que hoje só novelas das nove alcançam, nos últimos capítulos.
DIVULGAÇÃO/SBT
Boris Casoy no TJ Brasil, nos anos 1990; âncora se destacou no impeachment de Collor
Na Folha de S.Paulo do dia seguinte, Nelson de Sá, que analisava diariamente o posicionamento dos canais de televisão, definiu a cobertura como uma “catarse”. “Quando explodiram os 336 votos [necessários para a aprovação do impeachment], os canais todos tremiam e ninguém conseguia falar coisa com coisa”, escreveu.
“Marília Gabriela não se conteve e abriu a boca. Boris Casoy saiu gritando gol. ‘Aprovado o impeachment, aprovado o impeachment, aprovado o impeachment’. Alexandre Garcia fez corrente a cada voto (faltam seis, faltam cinco, quatro) e depois mal conseguiu falar ‘Passou o impeachment’. Lilian Witte Fibe e Carlos Chagas deram passa-cachorro em Collor”, sintetizou o crítico.
A cobertura das emissoras dividiu opiniões. Em 1º de outubro, o mesmo Nelson de Sá decretou que Boris Casoy havia se saído melhor. “A Globo, quando desistiu de Collor, deu um banho de notícia. Mas já era tarde. A votação do impeachment estabeleceu o âncora Boris Casoy, do TJ Brasil, como o grande vencedor de uma cobertura que mudou a televisão”, apontou _dias depois, o SBT fez um anúncio em jornais provocando a rival.
“A opinião de Casoy, por três meses, foi referencial. Ele criou um bordão, que batia diariamente até o limite da paciência geral: É preciso passar o Brasil a limpo”. Um deputado chegou a votar “sim” citando a frase. Ontem [30 de setembro de 1992], para descanso dos ouvidos, o âncora desistiu _talvez temporariamente_ de insistir no bordão”, registrou o jornalista.
Na mesma Folha de S. Paulo, só que de 4 de outubro de 1992, o repórter de cultura Luís Antônio Giron anotou que “a vencedora foi a Globo”. “Bateu longe o petismo da Bandeirantes, o ao vivo sem sal da Manchete e a tagarelice do SBT”, justificou.
Giron também falou sobre a atuação de alguns profissionais. “O melhor desempenho ficou para Alexandre Garcia, que atuou feito um deputado ausente que resolveu assumir o impeachment no último instante. Exibiu incrível talento para explicar os trâmites do processo e os passos da política. Só um problema o afetou. Ele tem um impulso animal pelo ufanismo. Soltou foguetes pela queda do homem que defendeu durante dois anos”, disse.
Giron também escreveu que “Chico Pinheiro e Marília Gabriela fizeram da Bandeirantes a tribuna do PT. Todos choraram, se emocionaram, Lula deu tapinha nas costas de um Pinheiro lacrimejante depois da votação. A rede não logrou distanciamento jornalístico”.
“Boris Casoy abriu sua torneirinha verbal, chamou PL (Partido Liberal) de Partido Libertador, fez piadas (sobre o sim de Onaireves Moura [deputado que apoiava Collor e votou a favor do impeachment]: ‘Até ele se surpreendeu com o voto que deu’). Ficava difícil acompanhar os deputados”, completou Giron sobre o âncora do SBT.
Também trabalharam na cobertura Renato Machado, Pedro Bial, Delis Ortiz e Heraldo Pereira, na Globo, Marilena Chiarelli, na Record, e Leila Cordeiro, na Manchete _logo após a votação, ela entrevistou ao vivo por telefone Pedro Collor (1952-1994), o irmão do ex-presidente, que, meses antes, incendiou o Brasil com suas denúncias.
Cobertura internacional
O impeachment de Collor chamou a atenção do mundo inteiro. Mais de 1.200 jornalistas foram credenciados, incluindo equipes de veículos como CNN, The New York Times, The Washington Post (todos dos EUA), La Nación (Argentina) e Der Spiegel (Alemanha).
A CNN fez diversas entradas ao vivo em 29 de setembro e adiantou a vitória do “sim” no início da tarde. Às 19h07, vinte minutos depois do voto que sacramentou a abertura do processo, a emissora norte-americana entrou no ar com a notícia.
Telejornais históricos
As edições dos principais telejornais de 29 de setembro foram classificadas como históricas pelas próprias emissoras.
No Jornal Nacional, Cid Moreira e Sérgio Chapelin falaram somente sobre o impeachment, com participação de Carlos Nascimento diretamente de Brasília. O jornalista, atualmente no SBT, foi outro grande destaque da cobertura global e passou a ser apontado como sucessor natural de Cid Moreira na bancada do JN.
“A Globo corre atrás do prejuízo. Já escolheu o seu Boris Casoy, o seu âncora. Carlos Nascimento, ontem como nos últimos dias, apresentou a maior parte das manchetes do Jornal Nacional. Ele é a única saída da rede. É menos opinativo, mas tem presença firme e rigor de informação. E é uma criação da própria Globo, um orgulho da casa. E herda, depois do escândalo, um Jornal Nacional menos disposto a eleger presidentes”, enfatizou Giron na Folha.