A vaga a ser ocupada é a de professor(a) adjunto(a) do Departamento de Cirurgia Experimental e Especialidades Cirúrgicas – que tem como área de conhecimento a otorrinolaringologia.
O concurso aconteceu, em dezembro de 2023, e Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar na classificação geral, mas em primeiro na classificação por cotas, o que dá a ela a preferência conforme o edital e é reafirmado no Diário Oficial da União do dia 13 de agosto, quando o resultado foi publicado: “sendo esta (vaga) preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro”, sinaliza o documento.
Porém, no dia 21 de agosto, a médica foi surpreendida por uma decisão da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia, que favoreceu a candidata que passou em primeiro lugar na ampla concorrência.
A decisão obriga a Ufba a convocar a outra candidata. “Todos os candidatos leram o edital e concordaram com ele. Lá atrás, quando o edital foi lançado, eles poderiam questionar algo, mas não no meio do caminho. Para mim isso se tornou uma questão de justiça social, principalmente por ninguém poder ser impedido de seguir a lei justamente pela Justiça”, afirma a médica.
Em nota, a Ufba afirmou que a decisão foi firmada sem que a universidade fosse intimada a se manifestar, tendo a Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Pessoas (Prodep) tomado conhecimento do processo já na fase de cumprimento da decisão. “A Prodep elaborou os subsídios para a defesa da universidade, que foram encaminhados à Procuradoria Federal junto à Ufba para as providências de recurso da decisão, estando o processo em andamento”, consta.
Histórico
A Ufba foi uma das primeiras universidades federais a adotar políticas afirmativas nos cursos de graduação (2004), na pós-graduação e, mais recentemente, nos concursos públicos.
“Entendemos que esta posição nos coloca em permanente defesa da democracia e da justiça igual para todos os cidadãos do país”, destaca a instituição em nota.
O avanço conquistado pela aplicação da Lei de Cotas nas universidades é inegável, mas mesmo no ensino superior ela ainda encontra desafios, aponta a pedagoga e doutora em educação, Tatyanne Gomes Marques.
“Esse caso evidencia aspectos muito singulares da política de cotas e o entendimento jurídico sobre o tema que, em algumas situações, dado o racismo estrutural e institucional, acaba não reconhecendo o direito garantido pelas cotas e pelos critérios adotados pelas universidades. Particularmente, vejo que a médica Lorena Pinheiro teve sua declaração racial validada pela banca de heteroidentificação e deve ter garantido seu direito à primeira convocação”, afirma Tatyanne Gomes Marques, que é professora da Uneb Campus XII Guanambi, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Formação Docente (PPGEDUF).
A Lei de Cotas, desde seu nascedouro, é muito questionada, afirma o professor, mestre em direito e especialista em ciências criminais Jonata Wiliam Sousa da Silva, presidente da Comissão da Advocacia Negra da OAB-BA. “O que se precisa compreender é que cotas não são favores, vantagens indevidas ou atalhos, mas sim um direito constitucional voltado à promoção de igualdade. E o judiciário tem que dar uma resposta firme de conformidade constitucional dessa reserva de vagas e da sua aplicação para que nós tenhamos uma evolução na docência superior”.
O caso, aponta o mestre em direito, até então conta com uma decisão precária em caráter liminar. “E a nossa expectativa, seguindo os precedentes já firmados pelo STF, as posições legais e constitucionais, é que essa liminar eventualmente, quando julgada pelo colegiado, seja cassada, o mandado de segurança improvido e a vaga devolvida a quem é de direito, a doutora Lorena Pinheiro”, afirma Jonata Wiliam Sousa da Silva.