Eficientes em se aproximar de sucessos da internet, clubes carecem de estratégias mais robustas para as crianças

A tricolor Laís viralizou nas redes sociais e entrou em campo com Ganso
A tricolor Laís viralizou nas redes sociais e entrou em campo com Ganso Foto: Lucas Merçon / Fluminense
Rafael Oliveira

Quando o setor de comunicação do Fluminense viu o material fotográfico do Fla-Flu de uma semana atrás, um registro atraiu as atenções. A foto de Laís, sete anos, nos ombros do avô Vanderlei estava carregada de simbologia. Ao mesmo tempo, era uma tricolor num mar de rubro-negros, uma criança em meio a adultos e uma menina cercada por homens. Compartilhado pelo clube, o clique de Alexandre Cassiano, do EXTRA, viralizou. A torcedora entrou em campo com Ganso no jogo seguinte e entrou para uma lista que conta, por exemplo, com o rubro-negro Nego Ney, o vascaíno Heitor e o botafoguense João Victor. Fenômenos mirins rendem repercussão imediata, mas também jogam luz sobre uma discussão: como os clubes se relacionam com o público infantil?

As crianças representam um mundo pouco explorado pelo futebol brasileiro. Ainda que delas dependa o futuro das torcidas, não são incluídas nas pesquisas de popularidade dos clubes. Normalmente, as entrevistam são feitas com pessoas a partir dos 16 anos. Além disso, não há estudos voltados para esta faixa etária.

Nego Ney: sucesso da internet entrou em campo com gabigol
Nego Ney: sucesso da internet entrou em campo com gabigol Foto: Alexanre Vidal/Flamengo

São poucos (e difusos) os dados dos quais os clubes dispõem. Um deles diz respeito às crianças no quadro de sócios. O Vasco informa ter cerca de mil, o que representa 4,6% dos associados. O Flamengo é mais preciso: 642 (o equivalente a 0,6%). O Fluminense não divulgou o número: só disse que o Plano Mascote, voltado para este público, representa 2% de sua base de sócios, sem informar o total. Sem um pacote infantil, o Botafogo não faz contas.

Na venda de camisas, este público representa uma parcela maior. No Flamengo, a linha infantil equivale 15% do total. No Vasco, o percentual varia de 12% a 15% — de acordo com a aceitação ao modelo lançado. No Botafogo, equivale a 5%. Já o Fluminense não informou o dado. Somente que as terceiras camisas costumam ser as de maior sucesso.

— O que a gente percebe é que os departamentos de marketing são muito bem intencionados e fazem o que podem dentro de suas limitações. Só que precisamos separar o que são ações pontuais de estratégia. Esta não existe em nenhum clube do país —analisa Fernando Ferreira, da Pluri Consultoria. — Quando o assunto é público infantil, falamos principalmente de perpetuação de torcida. Ações pontuais são bem-vindas. Geram retorno no curto prazo, o que interessa às diretorias. Mas estão longe de serem eficientes no longo prazo.

O pequeno Heitor foi recebido pelo Vasco em São Januário
O pequeno Heitor foi recebido pelo Vasco em São Januário Foto: Rafael Ribeiro/Vasco

Entre as ações promovidas, a principal é a tradicional entrada em campo com os atletas profissionais. Mas há outras. A dupla Fla-Flu aposta em benefícios para os sócios mirins, como presentes e idas à sede e ao estádio em dias de jogos. Vasco e Botafogo também investem em atrações para o público em seus estádios. O alvinegro, por sinal, conta com um trunfo: Felipe Neto, fenômenos da internet e patrocinador do clube. Em dezembro, um jogo beneficente do youtuber no Nilton Santos reuniu 4 mil pessoas, principalmente crianças.

— Quando o vídeo do João Victor vazou na internet, o Felipe Neto manteve contato direto com a gente e nos ajudou a localizar o menino — conta o vice de marketing alvinegro Marcelo Fonseca, em referência ao pequeno torcedor que comoveu a internet ao chorar por ter sido presenteado pela mãe com uma camisa do clube.

Felipe Neto é um trunfo do Botafogo para atrair as crianças
Felipe Neto é um trunfo do Botafogo para atrair as crianças Foto: VITOR SILVA/SSPRESS/BOTAFOGO

Muitas vezes, as iniciativas se confundem com projetos sociais — o que não desmerece as medidas, mas mostra que a agenda para o público infantil não é bem definida. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o Fluminense recebe, uma vez por mês, alunos da rede pública em sua sede. Os jogadores do Botafogo, por sua vez, visitam colégios no entorno do Nilton Santos. No ano passado, o então goleiro Jefferson defendeu pênaltis chutados por estudantes na quadra de uma escola.

Um dos maiores obstáculos nesta relação é também um dos maiores gargalos do futebol brasileiro: o licenciamento. As empresas reclamam da dificuldade de negociar com os clubes para associar sua marca a deles. Seja para lançar um caderno, um brinquedo ou até um doce. Recentemente, uma famosa empresa de chocolates desistiu de buscar parceiros no mercado nacional e anunciou um ovo de Páscoa do Barcelona. A sombra dos europeus, que já seduzem os jovens pela quantidade de astros em seus elencos, ganha mais força.

— A gente sabe da concorrência com os clubes de fora. Está cada vez mais difícil competir com eles — admite Carlos Costa, diretor de marketing do Vasco.

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